sexta-feira, 20 de março de 2015

OPERAÇÕES MENTAIS E COMO O CÉREBRO APRENDE


3 - Operações Mentais e como o Cérebro Aprende


Não gostaríamos de apresentar uma visão mecanicista do i cichio, mesmo considerando o paradigma dualista pelo qual .1 mente instrumentaliza o cérebro para se inserir na realidade física onde transitamos.

É necessário compreendermos, porém, que o cérebro, pelos seus antecedentes evolucionistas, exibe no seu funcionamento unia determinada operacionalidade.

Com isso, queremos dizer que há regras ou, pelo menos, podemos reconhecer certos programas básicos pelos quais a mente põe o cérebro em funcionamento.

Podemos até reconhecer, adotando um paradigma espiritualista, que a mente, fora do contexto físico do cérebro, pode dispor de recursos ou usar de estratégias que sobrepujam toda a fisiologia cerebral, mas, enquanto contida nessa máquina" de neurônios, ela é limitada pelos recursos que esses neurônios podem oferecer.

Esses "limites" é que vão ficar claros quando descobrimos o texto do "manual" de operacionalidade do cérebro.

Como qualquer outro ser vivo, nós somos resultado de um processo evolutivo que privilegiou para todos a sobrevivência e a adaptação. O cérebro humano, apesar de dispor de uma potencialidade extraordinária para atuar no meio ambiente que nos cerca, está "engatilhado" para priorizar a sobrevivência e a adaptação da nossa espécie. Isso exige decisões às vezes apressadas para atuações rápidas, frequentemente tidas como insensatas.

3 - OPERAÇÕES MENTAIS E COMO O CÉREBRO APRENDE


Basta nos determos no estudo do comportamento animal para percebermos que a disputa pela vida exige que um preda¬dor esteja em constante preparo para com astúcia abocanhar sua presa.

A vítima, quase sempre mais frágil, precisa, por outro lado, se predispor a uma vigilância permanente para não se surpre¬ender com a ocorrência um ataque fatal.

Dentro dessa estratégia de ataque e defesa que se perpetua em todos níveis de escala evolutiva, do peixe que abocanha a libélula, da cobra que envenena o coelho ou do tigre que dila¬cera um bezerro, é imperioso que o cérebro predisponha toda sua estratégia para a fuga, defesa ou ataque o mais rápido pos¬sível.

Quando se trata de sobrevivência, não se pode perder tem¬po com detalhes nem nos distrairmos com a rotina para não pagarmos com a própria vida o preço de um descuido. É preci¬so estarmos de sobreaviso a qualquer sinal novo e reagirmos de maneira mais acessível e rápida possível para empreender¬mos uma fuga imediata se esse sinal indicar o perigo de um ataque ameaçador.
No conjunto de informações que nosso cérebro detecta no mundo à nossa volta, a escala de prioridades estabelece que nos interessa a informação mais útil, mais acessível, não neces¬sariamente a melhor ou a mais lógica. O cérebro opta por sim¬plificar para se adaptar e para isso nos põe diante de um esbo¬ço rápido da realidade.

O processo de sobrevivência exige que cada presa esteja sempre de prontidão para se prevenir dos ataques dos seus predadores e, de certa forma, na luta entre o mais forte e o mais fraco, somos todos presas e predadores uns dos outros. Nesse sentido, o cérebro posicionou o foco da consciência na atenção imediata para todos os fatos novos que se projetam no meio ambiente. Ninguém pode ser pego de surpresa, nem se deter para análise pormenorizada de um objeto que pode ou não ser hostil, que pode ser ou não sombras da vegetação ou uma fera traiçoeira que nos ataca e mata.

O cérebro humano continua privilegiando todo esse meca¬nismo de defesa, adaptando-se a rotinas e menosprezando o que é corriqueiro para estar atento ao que é novo, ficando pre¬disposto a agir rapidamente a um perigo ou ameaça iminente.

Estamos mais preparados para reagirmos às mudanças que ocorrem à nossa volta e não necessariamente ao desenrolar dos acontecimentos. Mudanças no ambiente carregam um potencial de hostilidade maior que a própria agressividade desse ambiente.

Por isso, nos habituamos aos ruídos das cidades e à monotonia do trânsito mesmo que nos sejam, de início, muito desagradáveis. Por isso, também, não nos abalamos com mais uma notícia de engarrafamento nas ruas ou de um empregado que se acidentou na fábrica. Mas, nos surpreenderíamos com a notícia de um terremoto acontecido na Avenida Paulista ou a aparição de um jacaré no rio Tietê.

Os fatos novos, ao lado do perigo que podem ou não repre¬sentar, têm o poder de desencadear, pelo inusitado da sua ocorrência, uma sensação agradável ou hostil, uma emoção forte que se irradia por todo nosso organismo, liberando a adrenalina para uma reação em cadeia que nos põem em estado de alerta. Por isso, no desenvolvimento do cérebro, seguindo a escala animal, percebemos que o cérebro emocional, representado pelo sistema límbico, precedeu o desenvolvimento do cérebro intelectual, expresso pelas circunvoluções cerebrais do neocórtex.

É sempre mais vantajoso uma resposta emocional rápida e suficiente do que uma reação meticulosa e bem elaborada. A primeira facilita uma estratégia de fuga mais eficaz, mais ligada a sobrevivência do que a segunda, que exige tempo muito precioso quando o que está em jogo é viver ou morrer.

Qualquer um de nós percebe que as emoções permeiam nossos comportamentos tanto nos gestos motores como nas Interjeições do nosso psiquismo. Qualquer acontecimento que presenciamos, ou qualquer objeto que contemplamos, serão as emoções que redigirão o texto de nosso relato sobre o que testemunhamos ou percebemos.

O conteúdo e a linguagem que escreve este texto têm muito pouco de pensamentos lógicos, de decisões racionais ou de interpretações verossímeis. O livro da experiência de vida de cada um de nós está escrito com a aparente desordem do caos e só tem idéias emocionais.

É frequente percebermos quantas vezes nossas atitudes foram tomadas "sem pensarmos", quantas vezes agimos levados pelo "calor das emoções" e, ao "pensarmos melhor", muitas vezes, mudamos nossos julgamentos e até nossas decisões.

É comum, também, conhecermos pessoas racionais ou co¬rajosas diante de problemas da vida que se emocionam ou se apavoram ao verem um ferimento sangrando, ou ao subirem no elevador ou se verem nas alturas de um edifício. O pavor que a emoção provoca é muito mais forte que a interpretação racional do possível perigo que estejam enfrentando.

Frequentemente, aparentamos muita segurança ao tomar¬mos decisões importantes, acreditando estarmos fazendo o melhor, estarmos agindo criteriosamente, com lógica, com juízo e sensatez. Na verdade, escolhas de significado decisivo para nossas vidas, como a opção por determinada profissão, a esco¬lha da casa onde vamos morar, da pessoa com quem vamos nos casar, do carro que vamos comprar ou do negócio que va¬mos realizar são sempre direcionadas por decisões francamen¬te emocionais.

Nossas reações emocionais nos dão uma chance melhor de sobrevivência e adaptação ao ambiente do que os processos mentais que usam a lógica, o cálculo ou as meticulosas deci¬sões tomadas depois de raciocínios demorados e que nem sem¬pre são agradáveis.

É por isso que nos acostumamos a fazer mudanças frequentes de julgamentos. As emoções nos antecipam conclusões apressadas mas de pouca precisão, por isso frequentemente efêmeras e sujeitas a revisões. Num jogo de futebol, numa partida de tênis ou numa corrida de cavalos podemos ir mudando, até os instantes finais do jogo, as nossas previsões de quem será o vencedor. Por isso também, em qualquer escolha afetiva que fizermos, haverá sempre a possibilidade de questionarmos o acerto da decisão.

Nossa consciência flui continuamente num fluxo incessante de múltiplas idéias. Nosso mundo interno, do ponto de vista mental, não é estático, e as ideias não estão rigidamente estabelecidas. A mente tem a dinâmica de um mosaico de luzes que se projetam pela consciência que se contrai ou expande diante do que nos emociona.

Na luta pela vida, a necessidade de agirmos rapidamente faz com que a mente tenha uma atuação on line, que põe a nossa atenção e a nossa consciência sobrepostas aos fatos, para não sermos pegos de surpresa.

Nesse sentido, a mente tem que fazer escolha rápida de prioridades, dirigindo suas informações sensoriais no sentido de tomar decisões mais úteis e mais acessíveis e não necessariamente as melhores.

Uma alternativa que está mais à mão pode nos dar uma chance de fuga ou defesa mais rápida. Não convém perdermos tempo para analisarmos a gravidade ou a extensão do perigo. As estatísticas podem estar a nosso favor, mesmo assim é melhor salvarmos a nossa pele primeiro.

Os processos racionais de tomada de decisões são seguramente mais convenientes. Eles nos permitiriam fazer escolhas dentro de um leque de alternativas e nos poriam à frente de detalhes minuciosos que nos dariam mais competência para a escolha mais acertada. Porém, não nos garante que seria a decisão mais agradável nem a mais eficaz.

Demorar para decidir, esperando detalhes das informações disponíveis, poderia custar um pedaço da perna do surfista que confundiu sua prancha com um tubarão.

É melhor uma interpretação mais rápida mesmo que, ao invés de fugirmos de um tubarão, tenhamos apenas nos assustado com a casca de uma árvore.

A mente, ao iniciar sua tomada de decisões, não pode se prender aos detalhes, não pode fazer análise sequenciada, prensa fazer um julgamento rápido da realidade usando para isso uma ideia interpretativa dos acontecimentos e dos objetos. Nossa consciência está adequada para fazer apreensões representativas das coisas e dos objetos.

Para isso usamos nossa capacidade cerebral de fazer interpretações e reconhecimento com base em pistas sensoriais de informações.

Todos sabemos de antemão que é fácil, mesmo estando de olhos fechados, reconhecermos, pelo simples tato, um objeto como uma carteira, um lápis ou um molho de chaves que é colocado em nossa mão. Um simples toque no objeto nos permite um reconhecimento imediato do objeto por inteiro. Também sabemos que nenhum de nós precisa ver todos os lados de uma xícara para reconhecê-la, nem ver um amigo em todos os seus ângulos e perfis para identificarmos quem é. Os pequenos fragmentos de informação já são suficientes para nos permitir ajuizar os objetos ou as pessoas em todas suas dimensões.

A realidade que vemos ou o mundo que percebemos com nossos sentidos é, na verdade, interpretado na nossa mente.

Cada objeto que nos atinge nos impressiona não só pelo que nos imprime nos sentidos mas, também, pelo que nos provoca na mente ao desencadear imagens e ideias. O mundo por nós vivido é essencialmente um mundo "sonhado" e "imaginado" em nossa mente.

A experiência de cada um de nós é medida pelo referencial de imagens mentais que criamos e armazenamos sobre o mundo onde vivemos. Cada objeto, cada palavra, casa sensação é carregada de um potencial simbólico que desencadeia em nós a capacidade de criar imagens vivas da realidade.

Daí a conveniência de se estudar as palavras pela sua transmissão de ideias e compreender os objetos pelos seus significados. Dar consciência ao aprendizado é apreender as qualidades de cada coisa e de cada objeto.

A motivação, os fatos novos e o clima de emoção enriquecem o aprendizado. O cérebro aprende quando vivenciamos experiências, quando apreendemos o significado de cada coisa ou identificamos as qualidades dos objetos.

Nossa maneira de vivenciar a realidade processa-se pela construção rápida de conceitos. Aprendemos a distinguir o que é certo do que é errado, o que é bom do que é mau, o que agrada do que agride e, principalmente, o que é comestível do que é indigesto.

É melhor saber logo quais as consequências antes de identificar pormenorizadamente as causas. É uma questão de sobrevivência.

Núbor Orlando Facure*-Médico formado pela Faculdade de Medicina de Uberaba (MG), especialista em Neurologia e Neurocirurgia pelo Hospital das Clínicas de São Paulo. Profesor, de livre docente de Neurocirurgia da Universidade de Campinas (SP), Fundador e diretor do Instituto do Cérebro de Campinas.

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