quarta-feira, 20 de maio de 2020

A mediunidade





IV - A mediunidade

Todas as manifestações da Natureza e da vida se resumem em vibrações, mais ou menos rápidas e extensas, conforme as causas que as produzem. Tudo vibra no Universo: a luz, o som, o calor, a eletricidade, os raios químicos, os raios catódicos, as ondas hertzianas, etc., não são mais que diferentes modalidades de ondulação, graus sucessivos, que em seu conjunto constituem a escala ascensional das manifestações da energia.

Esses graus são muito afastados entre si. O som percorre 340 metros por segundo; a luz, no mesmo tempo, faz o percurso de 300.000 quilómetros; a eletricidade propaga-se com uma rapidez que se nos afigura incalculável. Os nossos sentidos físicos, porém, não nos permitem perceber todos os modos de vibração. Sua impotência para dar uma impressão completa das forças da Natureza é um facto suficientemente conhecido para que tenhamos necessidade de insistir sobre esse ponto.

Só no domínio da ótica, sabemos que as ondas luminosas não nos impressionam a retina senão nos limites das sete cores, certas radiações solares escapam à nossa vista; chamam-se, por isso, raios obscuros.

Entre o limite dos sons, cujas vibrações alcançam de 24.000 a 60.000 por segundo, e a sensação de calor, que se mede por trilhões de vibrações, nada percebemos. O mesmo acontece entre a sensação de calor e de luz, que corresponde, na média, a 500 trilhões de vibrações por segundo. (34)

(34) O grande físico W. Crookes organizou uma classificação, segundo a qual as vibrações sonoras se acham distribuídas do 5 ao 15 graus, conforme a intensidade e a tonalidade. A eletricidade e a imantação do 20 ao 35 graus. Do 45 ao 50 encontram-se o calor e a luz. Além do 58 grau, manifestam-se as ondulações catódicas. Nos intervalos, porém, extensas regiões de energias permanecem inexploradas, inacessíveis aos nossos sentidos.

Nessa prodigiosa ascensão, os nossos sentidos representam paradas muitíssimo espaçadas, estações dispostas a consideráveis distâncias uma das outras, uma rota sem-fim. Entre essas diversas paradas, por exemplo, entre os sons agudos e os fenómenos de calor e de luz, destes, em seguida, até às zonas vibratórias afetadas pelos raios catódicos, há para nós como que abismos. Para seres, porém, dotados de sentidos mais subtis ou mais numerosos que os nossos, esses abismos, desertos e obscuros na aparência, não estariam preenchidos? Entre as vibrações percebidas pelo ouvido e as que nos impressionam a vista não há mais que o nada no domínio das forças e da vida universal ?

Seria bem pouco sensato acreditá-lo, porque tudo na Natureza se sucede, se encadeia e se desdobra, de elo em elo, por gradativas transições. Em parte alguma há salto brusco, hiato, vácuo. O que resulta destas considerações é simplesmente a insuficiência do nosso organismo, demasiado pobre para perceber todas as modalidades da energia.

O que dizemos das forças em ação no Universo, aplica-se igualmente ao conjunto dos seres e das coisas em suas diversas formas, em seus diferentes graus de condensação ou de rarefação.

O nosso conhecimento do Universo se restringe ou amplia conforme o número e a delicadeza de nossos sentidos. O nosso organismo atual não nos permite abranger mais que limitadíssimo círculo do império das coisas. A maior parte das formas da vida nos escapa. Venha, porém, um novo sentido se nos acrescentar aos atuais, e imediatamente se há de o invisível revelar, será preenchido o vácuo, animado o que era soturna insensibilidade.

Poderíamos mesmo possuir sentidos diferentes que, por sua estrutura anatómica, modificariam totalmente a natureza de nossas sensações atuais, de modo a nos fazer ouvir as cores e saborear os sons. Bastaria para isso que no lugar e posição da retina um feixe de nervos pudesse ligar o fundo do olho ao ouvido.

Nesse caso ouviríamos o que vemos. Em lugar de contemplar o céu estrelado, perceberíamos a harmonia das esferas e não seriam por isso menos exatos os nossos conhecimentos astonómicos. Se os nossos sentidos, em lugar de separados, estivessem reunidos, não possuiríamos mais que um único sentido generalizado, que perceberia ao mesmo tempo os diversos géneros de fenómenos.

Estas considerações, deduzidas das mais rigorosas observações científicas, nos demonstram a insuficiência das teorias materialistas. Pretendem estas fundar o edifício das leis naturais sobre a experiência adquirida mediante o nosso atual organismo, ao passo que, com uma organização mais perfeita, esta experiência seria bem diversa.

Pela simples modificação dos nossos órgãos, com efeito, o mundo, tal como o conhecemos, poderia transformar-se e mudar de aspecto, sem que de leve a realidade total das coisas se .alterasse. Seres constituídos de modo diferente poderiam viver no mesmo meio sem se verem, sem se conhecerem.

E se, em consequência do desenvolvimento orgânico de alguns desses seres, em seus diversos apropriados "habitat", seus meios de percepção lhes permitissem entrar em relações com aqueles cuja organização é diferente, nada haveria nisso de sobrenatural nem de miraculoso, mas simplesmente um conjunto de fenómenos naturais, regidos por leis ainda ignoradas desses seres, entre os outros, menos favorecidos no que se refere ao conhecimento.

Ora, é o que precisamente se produz em nossas relações, com os Espíritos dos homens falecidos, em todos os casos em que é possível a um médium servir de intermediário entre as duas humanidades, visível e invisível. Nos fenómenos espíritas, dois mundos, cujas organizações e leis conhecidas são diferentes, entram em contacto, e assomando a essa linha divisória, a essa fronteira que os separava, mas que desaparece, o pensador ansioso vê desdobrarem-se perspectivas infinitas. Vê bosquejarem-se os elementos de uma ciência do Universo muito vasta e mais completa que a do passado, conquanto seja o seu prolongamento lógico; e essa ciência não vem destruir a noção das leis atualmente conhecidas, mas ampliá-la em vastas proporções, pois que traça ao espírito humano a rota segura que o conduzirá à aquisição dos conhecimentos e dos poderes necessários a firmar em sólidas bases sua tarefa presente e seu destino futuro.

*

Acabamos de aludir ao papel dos médiuns. O médium é o agente indispensável, com cujo auxílio se produzem as manifestações do mundo invisível.

Assinalamos a impotência dos nossos sentidos, desde que são aplicados aos estudos dos fenómenos da vida. Nas ciências experimentais, não tardou a ser preciso recorrer a instrumentos para suprir essa deficiência do organismo humano e ampliar o nosso campo de observação. Vieram assim o telescópio e o microscópio revelar-nos a existência do infinitamente grande e do infinitamente pequeno.

A partir do estado gasoso, a matéria escapava aos nossos sentidos. Os tubos de Crookes, as placas sensíveis nos permitem prosseguir os estudos no domínio, por muito tempo inexplorado, da matéria radiante.

Aí, por enquanto, se detêm os meios de investigação da Ciência. Mais além, todavia, se entrevêem estados da matéria e da força que um instrumento aperfeiçoado, mais dia menos dia, nos tornará familiares.

Onde faltam ainda os meios artificiais, vêm certos indivíduos trazer ao estudo dos fenómenos vitais o concurso de preciosas faculdades. É assim que o sensitivo hipnótico representa o instrumento que tem permitido sondar as profundezas ainda misteriosas do "eu humano", o proceder a uma análise minuciosa de todos os modos de sensibilidade, de todos os aspectos da memória e da vontade.

O médium vem, por sua vez, desempenhar um papel essencial no estudo dos fenómenos espíritas. Participando simultaneamente, por seu invólucro fluídico, da vida do Espaço e, pelo corpo físico, da vida terrestre, é ele o intermediário obrigatório entre dois mundos.

O estudo, pois, da mediunidade prende-se intimamente a todos os problemas do Espiritismo; é mesmo a sua chave. O mais importante, no exame dos fenómenos, é distinguir a parte que é preciso atribuir ao organismo e à personalidade do médium e a que provém de uma intervenção estranha, e determinar em seguida a natureza dessa intervenção.

O Espírito, separado da matéria grosseira pela morte, não pode mais sobre ela agir; nem se manifestar na esfera humana sem o auxilio de uma força, de uma energia, que ele haure no organismo de um ser vivo. Toda pessoa suscetível de fornecer, de exteriorizar essa força, é apta para desempenhar um papel nas manifestações físicas. deslocação de objetos sem contacto, transportes, sons de pancadas, mesas giratórias, levitações, materializações. É essa a mais comum, a mais generalizada forma da mediunidade; não requer nenhum desenvolvimento intelectual, nem adiantamento moral. É uma simples propriedade fisiológica, observada em pessoas de todas as condições. Em todas as formas inferiores da mediunidade o indivíduo é comparável, quer a um acumulador de força, quer a um aparelho telegráfico ou telefônico, transmissor do pensamento do operador.

A comparação é tanto mais exata quanto a força psíquica se esgota, como todas as forças não renovadas; a intensidade das manifestações está na razão direta do estado físico e mental do médium. Seria um erro considerar este como um histérico ou um doente; é simplesmente um indivíduo dotado de capacidades mais extensas ou de mais subtis percepções que outro qualquer.

A saúde do médium parece-nos ser uma das condições de sua faculdade. Conhecemos um grande número de médiuns, que gozam perfeita saúde; temos notado mesmo um facto significativo, e é que, quando a saúde se lhes altera, os fenómenos se enfraquecem e cessam até de se produzir.

A mediunidade apresenta variedades quase infinitas, desde as mais vulgares formas até as mais sublimes manifestações. Nunca é idêntica em dois indivíduos, e se diversifica segundo os caracteres e os temperamentos. Em um grau superior, é como uma centelha do céu a dissipar as humanas tristezas e esclarecer as obscuridades que nos envolvem.

A mediunidade de efeitos físicos é geralmente utilizada por Espíritos de ordem vulgar. Requer continuo e atento exame. É pela mediunidade de efeitos intelectuais - inspiração escrita - que habitualmente nos são transmitidos os ensinos dos Espíritos elevados. Para produzir bons resultados, exige conhecimentos muito extensos. Quanto mais instruído e dotado de qualidades morais é o médium, maiores recursos facilita aos Espíritos. Em todos os casos, contudo, o indivíduo não é mais do que um instrumento; este, porém, deve ser apropriado à função de que é encarregado. Um artista, por mais hábil que seja, nunca poderá tirar de um instrumento incompleto mais que medíocre partido. O mesmo se dá com o Espírito em relação ao médium intuitivo, no qual um claro discernimento, uma lúcida inteligência, o saber mesmo, são condições essenciais.

Verdade é que se têm visto sensitivos escreverem em línguas desconhecidas ou tratar de questões cientificas e abstratas, muito acima de sua capacidade. São raros, porém, esses casos, que exigem grandes esforços da parte dos Espíritos. Estes preferem recorrer a intermediários maleáveis, aperfeiçoados pelo estudo, suscetíveis de os compreender e lhes interpretar fielmente os pensamentos.

Nessa ordem de manifestações, os invisíveis atuam sobre o intelecto do sensitivo e lhes projetam na esfera mental suas ideias. Às vezes os pensamentos se confundem; os dois Espíritos revestem uma forma, uma expressão, em que se acham reproduzidos o estilo e a linguagem habitual do médium. Ainda aí se requer escrupuloso exame. Será, todavia, fácil ao observador destacar, da insignificância de inúmeros ditados e do contingente pessoal dos sensitivos, o que pertence aos Espíritos adiantados, cujas comunicações revestem um caráter grandioso, um cunho de verdade muito acima das possibilidades do médium.

Nos fenómenos de transe ou do sonambulismo em seus diversos graus, os sentidos materiais vêm a ser pouco a pouco substituídos pelos sentidos psíquicos, os meios de percepção e de atividade aumentam em proporções tanto mais consideráveis quanto mais profundo é o sono e mais completo o desprendimento perispirituais.

Nesse estado, nada percebe o corpo físico; serve simplesmente de transmissor, quando o médium ainda pode exprimir suas sensações. Já na exteriorização parcial se produz esse fenómeno. No estado de vigília, sob a influência oculta, a tal ponto o invólucro fluídico do sensitivo se desprende e irradia que, permanecendo embora intimamente ligado ao corpo, começa a perceber as coisas ocultas aos nossos sentidos exteriores; é o estado de clarividência, ou dupla vista, de visão à distância através dos corpos opacos, audição, psicometria, etc.

Em mais elevadas graduações, no estado de hipnose, a exteriorização se acentua até ao desprendimento completo. A alma, liberta de sua prisão carnal, paira nas alturas; seus modos de percepção, subitamente recobrados, lhe permitem abranger um vasto círculo e se transporta com a rapidez do pensamento. A essa ordem de fenómenos pertence o estado de transe, que torna possível a incorporação de Espíritos desencarnados ao envoltório do médium, deixado livre, semelhante a um viajante que penetra em casa devoluta.

Os sentidos psíquicos, inativos no estado de vigília na maior parte dos homens, podem, entretanto, ser utilizados. Basta, para isso, abstrair-se das coisas materiais, cerrar os sentidos físicos a todo ruído e toda visão exterior, e, por um esforço de vontade, interrogar esse sentido profundo em que se resumem todas as nossas faculdades superiores e que denominamos o sexto sentido, a intuição, a percepção espiritual. E por ele que entramos em contacto direto com o mundo dos Espíritos, mais facilmente que por qualquer outro meio; porque esse sentido constitui atributo da alma, o próprio fundo de sua natureza, e acha-se fora do alcance dos sentidos materiais, de que difere inteiramente.

A Ciência menosprezou até hoje esse sentido - o mais belo de todos; e é por isso que se tem conservado ignorante de tudo o que se refere ao mundo do invisível. As regras que ela aplica ao plano físico serão insuficientes, sempre que as quiserem aplicar ao mundo dos Espíritos. Para penetrar neste, é preciso antes de tudo compreender que nós mesmos soros espíritos, e que não podemos entrar em relação com o universo espiritual senão pelos sentidos do espírito.


A OSTENTAÇÃO



REVISTA ESPÍRITA

Jornal de Estudos Psicológicos

ANO III Abril de 1860 Nº 4

A OSTENTAÇÃO

(Sociedade, 16 de dezembro de 1860 – Médium: Srta. Huet)

Numa bela tarde de primavera, um homem rico e generoso estava sentado em seu salão; sorvia, feliz, o perfume das flores de seu jardim. Enumerava, complacente, todas as boas obras que tinha praticado durante o ano. A essa lembrança não pôde deixar de lançar um olhar quase desprezível sobre a casa de um de seus vizinhos, que não pudera dar senão módica moeda para a construção da igreja paroquial. De minha parte, disse ele, dei mais de mil escudos para essa obra pia; deitei negligentemente uma cédula de 500 francos na bolsa que me estendia aquela jovem duquesa, em favor dos pobres; dei muito para as festas de beneficência, para toda sorte de loterias e creio que Deus me será grato por tanto bem que fiz. Ah! ia esquecendo uma pequena esmola, que dei há pouco tempo a uma infeliz viúva, responsável por numerosa família e que ainda cria um órfão. Mas o que lhe dei é tão pouco que, por certo, não será por isso que o céu se me abrirá.

Tu te enganas, respondeu de repente uma voz que lhe fez voltar a cabeça: é a única que Deus aceita, e eis a prova. No mesmo instante uma mão apagou o papel em que ele havia escrito todas as suas boas obras, deixando apenas a última; ela o levou ao céu.

Não é, pois, a esmola dada com ostentação que é a melhor, mas a que é dada com toda a humildade do coração.

Joinville, Amy de Loys

AMOR E LIBERDADE

(Sociedade, 27 de janeiro de 1860 – Médium: Sr. Roze)

Deus é amor e liberdade. É pelo amor e pela liberdade que o Espírito se aproxima d’Ele. Pelo amor desenvolve, em cada existência, novas relações que o aproximam da unidade; pela liberdade escolhe o bem que o aproxima de Deus. Sede ardorosos na propagação da nova fé; que o santo ardor que vos anima jamais vos leve a atentar contra a liberdade alheia. Evitai, por meio de uma insistência muita grande junto à incredulidade orgulhosa e temível, de exasperar uma existência meio vencida e prestes a render-se. O reino da violência e da opressão acabou; o da razão, da liberdade e do amor fraterno está começando. Não é mais pelo medo e pela força que os poderosos da Terra adquirirão, doravante, o direito de dirigir os interesses morais, espirituais e físicos dos povos, mas pelo amor e pela liberdade.

Abelardo





A IMORTALIDADE

(Sociedade, 3 de fevereiro de 1860 – Médium: Srta. Huet)

Como pode um homem, e um homem inteligente, não crer na imortalidade da alma e, consequentemente, numa vida futura, que não é outra senão a do Espiritismo? Em que se tornariam esse amor imenso que a mãe devota ao filho, esses cuidados com que o cerca na infância, essa atitude esclarecida que o pai dedica à educação desse ser bem-amado? Tudo isso seria, então, aniquilado no momento da morte ou da separação? Seríamos, assim, semelhantes aos animais, cujo instinto é admirável, sem dúvida, mas que não cuidam de sua progênie com ternura senão até o momento em que ela cessa de ter necessidade dos cuidados maternos? Chegado esse momento, os pais abandonam os filhos e tudo está acabado: o corpo está criado, a alma não existe. Mas o homem não teria uma alma, e uma alma imortal! E o génio sublime, que só se pode comparar a Deus, tanto d’Ele emana, esse génio que gera prodígios, que cria obras primas, seria aniquilado pela morte do homem! Profanação! Não se pode aniquilar assim as coisas que vêm de Deus. Um Rafael, um Newton, um Miguel Ângelo e tantos outros génios sublimes abarcam ainda o Universo em seu Espírito, embora seus corpos não mais existam. Não vos enganeis; eles vivem e viverão eternamente. Quanto a se comunicarem convosco, é menos fácil de admitir pela generalidade dos homens. Somente pelo estudo e pela observação eles podem adquirir a certeza de que isso é possível.

Fénelon

PARÁBOLA

(Sociedade, 9 de dezembro de 1859 – Médium: Sr. Roze)

Em sua última travessia um velho navio foi assaltado por terrível tempestade. Além de grande número de passageiros, transportava uma porção de mercadorias estrangeiras ao seu destino, acumuladas pela avareza e cupidez de seus donos. – O recusavam a lançar a carga no mar; suas ordens eram ignoradas; tinham perdido a confiança da tripulação e dos passageiros. Era preciso pensar em abandonar o navio. Puseram três embarcações no mar: na primeira, a maior, precipitaram-se, aturdidos, os mais impacientes e os mais inexperientes, que se apressaram a remar na direção da luz que avistaram ao longe, na costa. Caíram nas mãos de um bando de corsários, que os despojaram dos objetos preciosos que haviam recolhido às pressas, maltratando-os sem piedade.

Os segundos, mais espertos, souberam distinguir um farol libertador em meio às luzes enganadoras que alumiavam o horizonte e, confiantes, abandonaram o barco ao capricho das ondas; foram arrebentar nos arrecifes, ao pé do próprio farol, do qual não haviam tirado os olhos. Foram tanto mais sensíveis à sua ruína e à perda de seus bens quanto haviam entrevisto a salvação.

Os terceiros, pouco numerosos, mas sábios e prudentes, guiavam com cuidado o frágil barco em meio aos obstáculos; salvaram corpos e bens, sem outro mal além da fadiga da viagem.

Não vos contenteis, portanto, em vos guardardes contra a pirataria e contra os Espíritos maus, mas sabei, também, evitar o erro dos viajantes negligentes, que perderam os bens e naufragaram no porto. Sabei guiar vosso barco em meio aos escolhos das paixões e atracareis com felicidade no porto da vida eterna, ricos das virtudes que tiverdes adquirido em vossas viagens.

São Vicente de Paulo

O ESPIRITISMO

(Sociedade, 3 de fevereiro de 1860 – Médium: Sra. M.)

O Espiritismo é chamado a esclarecer o mundo, mas necessita de um certo tempo para progredir. Existiu desde a Criação, mas só era conhecido por algumas pessoas, porque, em geral, a massa pouco se ocupa em meditar sobre questões espíritas. Hoje, com o auxílio desta pura doutrina, haverá uma luz nova. Deus, que não quer deixar a criatura na ignorância, permite que os Espíritos mais elevados venham em nosso auxílio, para contrabalançar a ação do Espírito das trevas, que tende a envolver o mundo. O orgulho humano obscurece a razão e a faz cometer muitas faltas na Terra. São necessários Espíritos simples e dóceis, para comunicarem a luz e atenuarem todos os nossos males. Coragem! Persisti nesta obra, que é agradável a Deus, porque ela é útil para a sua maior glória, e dela resultarão grandes bens para salvação das almas.

Francisco de Sales


sábado, 23 de fevereiro de 2019

Sistemas



O Livro dos Médiuns (Parte I – Noções Preliminares / Cap.4)

Capítulo 4 – Sistemas

36. Quando os estranhos fenómenos do Espiritismo começaram a se produzir, ou melhor, quando se renovaram nestes últimos tempos, suscitaram antes de mais nada a dúvida sobre a sua realidade e mais ainda a sua causa.(1)  Quando foram averiguados por testemunhos irrecusáveis e através de experiências que todos puderam fazer, aconteceu que cada qual os interpretou a seu modo, de acordo com suas ideias, suas crenças e seus preconceitos. Daí o aparecimento dos numerosos sistemas que uma observação mais atenta deveria reduzir ao seu justo valor.
Os adversários do Espiritismo logo viram, nessas divergências de opinião, um argumento contrário, dizendo que os próprios espíritas não concordavam entre si. Era uma razão bem precária, pois os primeiros passos de todas as ciências em desenvolvimento são necessariamente incertos, até que o tempo permita a reunião e coordenação dos fatos que possam fixar-lhes a orientação. À medida que os fatos se completam e são melhor observados, as ideias prematuras se desfazem e a unidade de opinião se estabelece, quando não os detalhes, pelo menos sobre os pontos fundamentais. Foi o que aconteceu com o Espiritismo, que não podia escapar a essa lei comum, e que devia mesmo, por sua natureza, prestar-se ainda à diversidade de opiniões. Podemos dizer, aliás, que nesse sentido o seu avanço foi mais rápido que o de ciências mais antigas, como a Medicina, por exemplo, que ainda continua a dividir os maiores sábios.
 37. Para seguir a ordem progressiva das ideias, de maneira metódica, convém colocar em primeiro lugar os chamados sistemas negativos dos adversários do Espiritismo. Refutamos essas objecções na introdução e na conclusão de O Livro dos Espíritos, bem como na pequena obra intitulada O que é o Espiritismo? Seria inútil voltar ao assunto e nos limitaremos a lembrar, em duas palavras, os motivos em que eles se apoiam.
Os fenómenos espíritas são de duas espécies: os de efeitos físicos e os de efeitos inteligentes. Não admitindo a existência dos Espíritos, por não admitirem nada além da matéria, compreende-se que eles neguem os efeitos inteligentes. Quanto aos efeitos físicos, eles os cometam à sua maneira e seus argumentos podem ser resumidos nos quatro sistemas seguintes:
38. Sistema do Charlatanismo: Muitos dos antagonistas atribuem esses efeitos à esperteza, pela razão de alguns terem sido imitados. Essa suposição transformaria todos os espíritas em mistificados e todos os médiuns em mistificadores, sem consideração pela posição, ou carácter, o saber e a honorabilidade das pessoas. Se ela merecesse resposta, diríamos que alguns fenómenos da Física são também imitados pelos prestidigitadores, o que nada prova contra a verdadeira ciência. Há pessoas, aliás, cujo carácter afasta toda suspeita de fraude, e seria preciso não se ter educação nem urbanidade para atrever-se lhes dizer que são cúmplices de charlatanice. Num salão bastante respeitável, um senhor que se dizia muito educado permitiu-se fazer uma observação dessa e a dona da casa lhe disse: “Senhor, desde que não está satisfeito, o dinheiro lhe será devolvido na porta”, e com um gesto lhe indicou o melhor que tinha a fazer.
Devemos concluir disso que nunca houve abusos? Seria necessário admitir que os homens são perfeitos. Abusa-se de tudo, mesmo das coisas mais santas. Por que não se abusaria do Espiritismo? Mas o mau emprego que se pode fazer de uma coisa não deve levar-nos a prejulgá-la. Podemos considerar a boa fé dos outros pelos motivos de suas acções. Onde não há especulação não há razão para o charlatanismo.
39. Sistema da Loucura: Alguns, por condescendência, querem afastar a suspeita de fraude e pretendem que os que não enganam são enganados por si mesmos, o que equivale a chamá-los de imbecis. Quando os incrédulos são menos maneirosos, dizem simplesmente que se trata de loucura, atribuindo-se sem cerimonias o privilégio do bom senso. É esse o grande argumento dos que não tem melhores razões a apresentar. Aliás, essa forma de crítica se tornou ridícula pela própria leviandade e não merece que se perca tempo em refutá-la. Por sinal que os espíritas, pouco se importam com ela. Seguem corajosamente os seus caminhos, consolando-se ao pensar que tem por companheiros de infortúnio muita gente de mérito incontestável. É necessário convir, com efeito, que essa loucura, se trata de loucura, revela uma estranha característica: a de atingir de preferência a classe mais esclarecida, na qual o Espiritismo conta até o momento com a maioria absoluta de adeptos. Se nesse número se encontram alguns excêntricos, eles não depõem mais contra a Doutrina do que os fanáticos contra a Religião; do que os melomaníacos contra a Música; ou do que os maníacos calculadores contra a Matemática. Todas as ideias têm os seus fanáticos e seria necessário ser-se muito obtuso para confundir o exagero de uma ideia com a própria ideia. Para mais amplas explicações a respeito, enviamos o leitor à nossa brochura. O que é o Espiritismo ou a O Livro dos Espíritos, parágrafo XV da Introdução.
40. Sistema da Alucinação: Outra opinião, menos ofensiva porque tem um leve disfarce científico, consiste em atribuir os fenómenos a uma ilusão dos sentidos. Assim, o observador seria de muito boa fé, mas creria ver o que não vê. Quando vê uma mesa levantar-se e permanecer no ar sem qualquer apoio, a mesa nem se moveu. Ele a vê no espaço por uma ilusão ou por um efeito de refracção, como o que nos faz ver um astro ou um objecto na água, deslocado de sua verdadeira posição. A rigor, isso seria possível, mas os que testemunharam esse fenómeno constataram a suspensão passando por baixo da mesa, o que seria difícil se ela não houvesse sido elevada. Além disso, ela é elevada tantas vezes que acaba por quebrar-se ao cair. Seria isso também uma ilusão de óptica?
Uma causa fisiológica bem conhecida pode fazer, sem dúvida, que se veja rodar uma coisa que nem se mexeu, ou que nos sintamos rodar quando estamos imóveis. Mas quando várias pessoas que estão ao redor de uma mesa são arrastadas por um movimento tão rápido que é difícil segui-la, e algumas são até mesmo derrubadas, teriam acaso sofrido vertigens, como o ébrio que vê a casa passar-lhe pela frente?(2)
41. Sistema do Músculo Estalante: Se assim fosse no que toca à visão, não seria diferente para o ouvido. Mas quando os golpes são ouvidos por toda uma assembleia, não se pode razoavelmente atribuí-los à ilusão. Afastamos, bem entendido, qualquer ideia de fraude, considerando uma observação atenta em que se tenha constatado que não havia nenhuma causa fortuita ou material.
É verdade que um sábio médico deu ao caso uma explicação decisiva, segundo pensava: “A causa, disse ele, está nas contracções voluntárias ou involuntárias do tendão muscular do pequeno perónio”(3)  E entra nas mais completas minúcias anatómicas para demonstrar o mecanismo dessa produção de estalos,que pode imitar o tambor e mesmo executar árias ritmadas. Chega assim à conclusão de que os que ouvem os golpes numa mesa são vítimas de uma mistificação ou de uma ilusão. O fato nada apresenta de novo. Infelizmente para o autor dessa pretensa descoberta, sua teoria não pode explicar todos os casos. Digamos primeiramente que os dotados da estranha faculdade de fazer estalar a vontade o músculo do pequeno perónio, ou outro qualquer, e tocar árias musicais por esse meio, são criaturas excepcionais, enquanto a de fazer estalar as mesas é muito comum, e os que a possuem só muito raramente podem possuir aquela. Em segundo lugar, o sábio doutor esqueceu-se de explicar como podem esses estalos musculares de uma pessoa imóvel e distanciada da mesa produzir nestas vibrações sensíveis ao tato; como esses estalos podem repercutir, à vontade dos assistentes, em lugares diversos da mesa, em outros móveis, nas paredes, no forro, etc.. e como, enfim, a ação desse músculo pode estender-se a uma mesa que não se toca e fazê-la mover-se sozinha. Esta explicação, aliás, se realmente explicasse alguma coisa, só poderia infirmar o fenómeno dos golpes, não podendo referir-se aos demais modos de comunicação. Concluímos, pois, que o seu autor julgou sem ter visto, ou sem ter visto tudo de maneira suficiente. É sempre lamentável que os homens de ciência se apressem a dar, sobre o que não conhecem, explicações que os fatos podem desmentir. O seu próprio saber deveria torná-los tanto mais ponderados em seus julgamentos, quanto mais esses saber lhes amplia os limites do desconhecido.
42. Sistema das Causas Físicas: Saímos aqui dos sistemas de negação absoluta. Averiguada a realidade dos fenómenos, o primeiro pensamento que naturalmente ocorreu ao espírito dos que o viram foi de atribuir os movimentos ao magnetismo, à electricidade ou à ação de um fluido qualquer, em uma palavra, a uma causa exclusivamente física, material. Essa opinião nada tinha de irracional e prevaleceria se o fenómeno se limitasse aos efeitos puramente mecânicos. Uma circunstância parecia mesmo corroborá-la: era, em alguns casos, o aumento da potência na razão do número de pessoas presentes, pois cada uma delas podia ser considerada como elemento de uma pilha eléctrica humana. O que caracteriza uma teoria verdadeira, já o dissemos, é a possibilidade de explicar todos os fatos. Se um único fato a contraditar, é porque ela é falsa incompleta ou demasiado arbitrária. Foi o que não tardou a acontecer no caso. Os movimentos e os golpes revelaram inteligência, pois obedeciam a uma vontade e respondiam ao pensamento. Deviam, pois, ter uma causa inteligente. E desde que o efeito cessava de ser apenas físico, a causa, por isso mesmo, devia ser outra. Assim o sistema de ação exclusiva de um agente material foi abandonado e só se renova entre os que julgam a priori, sem nada terem visto. O ponto capital, portanto, é a constatação da ação inteligente, e é por ele que se pode convencer quem quiser se dar ao trabalho da observação.
43. Sistema do Reflexo: Reconhecida à ação inteligente, restava saber qual seria a fonte dessa inteligência. Pensou-se que poderia ser a do médium ou dos assistentes, que se reflectiria como a luz ou as ondas sonoras. Isso era possível e somente a experiência poderia dar a última palavra a respeito. Mas notemos, desde logo, que esse sistema se afasta completamente das ideias puramente materialistas: para a inteligência dos assistentes poder reproduzir-se de maneira indirecta, seria necessário admitir a existência no homem de um princípio independente do organismo.(4)
Se o pensamento manifestado fosse sempre o dos assistentes, a teoria da reflexão estaria confirmada. Mas o fenómeno, mesmo assim reduzido, não seria do mais alto interesse? O pensamento a repercutir num corpo inerte  e a se traduzir por movimento e ruído não seria admirável? Não haveria nisso o que excitar a curiosidade dos sábios? Por que, pois, eles desprezaram esse fato, eles que se esgotam na procura de uma fibra nervosa?
Somente a experiência, dissemos, poderia dar a última palavra sobre essa teoria, e a experiência a deu condenando-a, porque ela demonstra a cada instante, e pelos fatos, mais positivo, que o pensamento manifestado pode ser, não só estranho aos assistentes, mas quase sempre inteiramente contrário ao deles; que contradiz todas as ideias preconcebidas e desfaz todas as previsões. De fato,quando eu penso branco e me respondem preto, não posso acreditar que a resposta seja minha. Alguns se apoiam em casos de identidade entre o pensamento manifestado e o dos assistentes, mas o que é que isso prova, senão que os assistentes podem pensar como a inteligência comunicante? Não se pode exigir que estejam sempre em oposição. Quando, numa conversação, o interlocutor emite um pensamento semelhante ao vosso, direis por isso que ele o tirou de vós? Bastam alguns exemplos contrários e bem constatados para provar que essa teoria não pode ser decisiva.
Como, aliás, explicar pelo reflexo do pensamento a escrita feita por pessoas que não sabem escrever? As respostas do mais elevado alcance filosófico obtidas através de pessoas iletradas. E aquelas dadas a perguntas mentais ou formuladas numa língua desconhecida do médium? E mil outros fatos que não podem deixar dúvida quanto à independência da inteligência manifestante? A opinião contrária só pode resultar de uma deficiência de observação. Se a presença de uma inteligência estranha é moralmente provada pela natureza das respostas, materialmente o é pelo fenómeno da escrita-direta, ou seja, da escrita feita espontaneamente, sem caneta nem lápis, sem contato e apesar de todas as precauções tomadas para evitar qualquer ardil. O carácter inteligente do fenómeno não poderia ser posto em dúvida; logo, há mais do que uma simples ação fluídica. Além disso, a espontaneidade do pensamento manifestado independente de toda expectativa e de qualquer questão formulada, não permite que se possa tomá-lo como um reflexo do que pensam os assistentes.
O sistema do reflexo é muito desagradável em certos casos. Quando, por exemplo, numa reunião de pessoas sérias ocorre uma comunicação de revoltante grosseria, atribuí-la a um dos assistentes seria cometer uma grave indelicadeza, e é provável que todos se apressassem em repudiá-la. (Ver O Livro dos Espíritos, parágrafo XVI da Introdução).
44. Sistema da Alma Colectiva: É uma variante do precedente, mas  identificando-se com a de muitas outras pessoas presentes ou ausentes, para formar um todo coletivo que reuniria as aptidões, a inteligência e os conhecimentos de cada uma delas. Embora a brochura que expõe essa teoria se intitule “A Luz”(5)  pareceu-nos de um estilo bastante obscuro. Confessamos haver compreendido pouco e só a citamos para registrá-la. Tratam-se, aliás, de uma opinião individual como tantas outras e que fez poucos adeptos. Ema Tirpse é o nome usado pelo autor para designar o ser coletivo que representa. Ele toma por epígrafe: Não há nada oculto que não venha a ser revelado. Essa proposição é evidentemente falsa, pois há uma infinidade de coisas que o homem não pode e não deve saber. Bem presunçoso seria o que pretendesse penetrar todos os segredos de Deus.
45. Sistema Sonambúlico: Este sistema teve mais partidário, mas ainda agora conta com alguns. Como precedente, admite que todas as comunicações inteligentes procedem da alma ou Espírito do médium. Mas, para explicar como o médium pode tratar de assuntos que estão fora do seu conhecimento, em vez de considerá-lo dotado de uma alma colectiva, atribui essa aptidão a uma superexcitação momentânea de suas faculdades mentais, a uma espécie de estado sonambúlico ou extático, que exalta e desenvolve a sua inteligência. Não se pode negar, em certos casos, a influência dessa causa, mas é suficiente haver presenciado como opera a maioria dos médiuns para compreender que ela não pode resolver todos os casos, constituindo pois a excepção e não a regra. Poderia ser assim, se o médium tivesse sempre o ar de inspirado ou estático, aparência que ele poderia, aliás, simular perfeitamente, se quisesse representar uma comédia. Mas como crer na inspiração, quando o médium escreve como uma máquina, sem a menor consciência do que obtém, sem a menor emoção, sem se preocupar com o que faz, inteiramente distraído, rindo e tratando de assuntos diversos?
Concebe-se a excitação das ideias, mas não se compreende que ela faça escrever aquele que não sabe escrever, e ainda menos quando as comunicações são transmitidas por pancadas ou com a ajuda de uma prancheta ou de uma cesta. Veremos, no curso desta obra, o que se deve atribuir à influência das ideias do médium. Mas os casos em que a inteligência estranha se revela por sinais incontestáveis são tão numerosos e evidentes, que não podem deixar dúvidas a respeito. O erro da maior parte dos sistemas surgidos na origem do Espiritismo é tirar conclusões gerais de alguns fatos isolados.(6)
46. Sistema Pessimista, Diabólico ou Demoníaco: Entramos aqui em outra ordem de ideias. Constatada a intervenção de uma inteligência estranha, tratava-se de saber de que natureza era essa inteligência. O meio mais fácil era sem dúvida lhe perguntar, mas algumas pessoas não viam uma garantia suficiente e só quiseram ver em todas as manifestações uma obra diabólica. Segundo elas, somente o Diabo ou os Demónios podem comunicar-se. Embora esse sistema tenha hoje pouca aceitação, gozou por certo tempo de algum crédito, em virtude da condição especial daqueles que procuravam fazê-lo prevalecer. Assinalaremos, porém, que os partidários do sistema demoníaco não devem ser considerados entre os adversários do Espiritismo, antes pelo contrário. Os seres que se comunicam, quer sejam demónio ou anjo, são sempre seres incorpóreos. Ora, admitir a manifestação dos demónios é sempre admitir a possibilidade de comunicação com o mundo invisível, ou pelo menos com uma parte desse mundo.
A crença na comunicação exclusiva dos demónios, por mais irracional que seja, não parecia impossível quando se consideravam os Espíritos como seres criados fora da Humanidade. Mas desde que sabemos que os Espíritos são apenas as almas dos que já viveram, ela perdeu todo o seu prestígio, e podemos dizer toda a verossimilhança. Porque a consequência seria, que todas essas almas eram demónios, fossem elas de um pai, de um filho ou de um amigo,e que nós mesmos, ao morrer, nos tornaríamos demónios; doutrina pouco lisonjeira e pouco consoladora para muita gente. Será muito difícil convencer uma mãe de que uma criança querida que ela perdeu,e que após a morte lhe vem dar provas de sua afeição e de sua identidade, seja um suposto Satanás. É verdade que entre os Espíritos existem os que são muito maus e não valem mais do que os chamados demónios, e isso por uma razão bem simples: é que existem homens muito maus e que a morte não os melhora imediatamente. A questão é saber se só eles podem comunicar-se. Aos que pensam assim, propomos as seguintes questões:
1º) Há Espíritos bons e maus?
2º) Deus é mais poderoso do que os maus Espíritos, ou do que os Demónios, se quiserdes?
3º) Afirmar que só os maus se comunicam é dizer que os bons não podem fazê-lo. Se assim é, de duas uma: isso acontece pela vontade ou contra vontade de Deus. Se é contra a sua vontade, os maus Espíritos são mais poderosos que Ele. Se é pela sua vontade, por que razão, na sua bondade, não permitiria a comunicação dos bons, para contrabalançar a influência dos outros?
4º) Que provas podeis dar da impossibilidade de se comunicarem os bons Espíritos?
5º) Quando vos opomos a sabedoria de certas comunicações, respondeis que o Demónio usa todas as máscaras para melhor seduzir. Sabemos, realmente, que há Espíritos hipócritas que dão à sua linguagem um verniz de sabedoria. Mas admitis que a ignorância possa representar o verdadeiro saber e uma natureza má substituir a virtude, sem deixar transparecer a fraude?
6º) Se é só o Demônio que se comunica, e sendo ele o inimigo de Deus e dos Homens, por que recomenda orar a Deus, submissão à sua vontade, sofrer sem queixas as atribulações da vida, não ambicionar honras nem riquezas, praticar a caridade e todas as máximas do Cristo; em uma palavra, fazer tudo o que é necessário para destruir o seu império? Se for o Demônio quem dá esses conselhos, temos de convir que, por mais ardiloso seja, se mostra bastante inábil ao fornecer armas contra ele mesmo.(7)
7º) Desde que os Espíritos se comunicam,é que Deus o permite. Vendo as boas e as más comunicações, não é mais lógico pensar que Deus permite umas para nos provar e outras para nos aconselhar o bem?
8º) Que pensareis de um pai que deixasse o filho à mercê dos exemplos e dos conselhos perniciosos, e que afastasse dele, proibindo-o de vê-las,as pessoas que pudessem desviá-lo do mal? O que um bom pai não faria, devemos pensar que Deus, a bondade por excelência,estaria fazendo, menos compreensivo que um homem?
9º) A Igreja reconhece como autênticas algumas manifestações da Virgem e de outros santos, nas aparições, visões, comunicações orais etc.; essa crença não está em contradição com a doutrina da comunicação exclusiva dos Demónios?
Acreditamos que algumas pessoas aceitaram de boa fé essa teoria. Mas acreditamos também que muitas o fizeram apenas para evitar a preocupação com essas coisas, por causa das más comunicações que todos estão sujeitos a receber. Dizendo que somente o Diabo se manifesta, quiseram assustar,assim como se faz a uma criança: “Não pegue nisso, que queima”!. A intenção pode ser louvável, mas não atingiu o objetivo, porque a proibição só serve para excitar a curiosidade e o temor do Diabo abrange poucas pessoas. Em geral querem vê-lo, nem que seja apenas para saber como ele é, e acabam se admirando de não encontrá-lo tão feio como pensavam.
Não se poderia ainda encontrar outro motivo para esta teoria das comunicações exclusivas do Diabo? Há pessoas que consideram errados todos os que não pensam como elas. Ora, as que pretendem que as comunicações são dos Demónios não estariam com medo de encontrar Espíritos que as contrariem, muito mais no tocante aos interesses deste mundo que aos do outro? Não podendo negar o fato, quiseram apresentá-lo de maneira assustadora. Mas esse meio não deu mais resultados que os outros, e onde o medo do ridículo é importante, o melhor é deixar as coisas correrem.
O muçulmano que ouvisse em espírito falar contra algumas leis do Alcorão, pensaria seguramente que era um mau Espírito. O mesmo aconteceria com um judeu, no tocante a algumas práticas da lei de Moisés. Quanto aos católicos, ouvimos um deles afirmar que o Espírito comunicante era o Diabo, porque se atrevia a pensar diferente dele sobre o poder temporal, embora só pregasse a caridade, a tolerância, o amor ao próximo, o desinteresse pelas coisas mundanas, de acordo com as máximas do Cristo.     
Os Espíritos são as almas dos homens, e como os homens não são perfeitos, há também Espíritos imperfeitos, cujo carácter se reflecte nas comunicações. É incontestável que há Espíritos maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais devemos nos prevenir. Mas por encontrar os perversos entre os homens devemos fugir de vida social? Deus nos deu a razão e o discernimento para apreciarmos os Espíritos e os Homens. A melhor maneira de evitar os possíveis inconvenientes da prática espírita não é impedi-la, mas esclarecê-la.Um temor imaginário pode impressionar por um instante e não atinge a todos, enquanto a realidade claramente demonstrada é compreensível para todos.
47. Sistema Otimista: Ao lado dos sistemas que só vêem nos fenómenos a ação dos Demónios, há outros que só vêem a dos Espíritos bons. Partem do princípio de que, liberta da matéria, a alma está livre de qualquer véu e deve possuir a soberana ciência e a soberana sabedoria. Essa confiança cega na superioridade absoluta dos seres do mundo invisível tem sido, para muitas pessoas, a fonte de numerosas decepções. Elas tiveram de aprender á própria custa a desconfiar de alguns Espíritos, tanto como desconfiavam de alguns homens.
48. Sistema Uniespírito ou Monoespírito: Uma variedade do sistema optimista é a crença de que um único Espírito se comunica com os homens e que esse Espírito é o Cristo, protector da Terra. Quando as comunicações são da mais baixa trivialidade, de uma grosseria revoltante, cheias de malevolência e de maldade, seria impiedade e profanação supor que pudessem provir do espírito do bem por excelência. Ainda se poderia admitir a ilusão, se os que assim crêem só tivessem obtido comunicações excelentes. Mas a maioria deles declara ter recebido comunicações muito más, explicando tratar-se de uma prova a que o Espírito bom os submete ao ditar-lhes coisas absurdas. Assim, enquanto uns atribuem todas as comunicações ao Diabo, que pode fazer bons ditados para tentá-los, outros pensam que Jesus é o único a se manifestar e que pode fazer maus ditados para experimentá-los. Entre essas duas opiniões tão diversas, quem decidirá?  O bom senso e a experiência. E citamos a experiência, por que é impossível que os que adotam essas ideias tenham verificado tudo suficientemente.
Quando lhes advertimos com os casos de identificação, que atestam a presença de parentes, amigos ou conhecidos pelas comunicações escritas, visuais e outras, respondem que é sempre o mesmo Espírito: o Diabo, segundo uns, o Cristo, segundo outros, que tomam aquelas formas. Mas não dizem por que razão os outros Espíritos não podem comunicar-se, com que fim o espírito da Verdade viria nos enganar sob falsas aparências, abusar de uma pobre mãe ao fingir-se o filho por ela chorado. A razão se recusa a admitir que o Espírito mais santo de todos venha a representar semelhante comédia. Além disso, negar a possibilidade de qualquer  outra comunicação não é tirar do Espiritismo o que ele tem de mais agradável: a consolação dos aflitos? Declaramos simplesmente que semelhante sistema é irracional e não pode resistir a um exame sério.
Sistema Multiespírita ou Poliespírita: Todos os sistemas que examinamos, sem exceptuar os negativos, fundamentam-se em algumas observações, mas incompletas ou mal interpretadas. Se uma casa é vermelha de um lado e branca do outro, quem a vir só de um lado afirmará que é apenas vermelha ou branca e estará ao mesmo tempo errado e certo; mas quem a vir de todos os lados dirá que tem as duas cores e só ele estará realmente com a verdade. Acontece o mesmo com as opiniões sobre o Espiritismo: pode ser verdadeira sobre certos aspectos e falsa se a generalizarem, tomando como regra o que é apenas excepção, interpretando como tal o que é somente uma parte. Por isso dizemos que quem desejar estudar seriamente esta ciência deve aprofundar-se bastante e durante longo tempo, pois só o tempo lhe permitirá perceber os detalhes, notar as nuanças delicadas, observar uma infinidade de fatos característicos que serão como raios luminosos. Mas se permanecer na superfície expõe-se a julgar prematuramente e portanto de maneira errónea.
Vejamos os resultados gerais a que chegamos através de uma observação completa, e que hoje formam a crença, podemos dizer da universalidade dos espíritas, porque os sistemas restritivos não passam de opiniões isoladas:
1º) Os fenómenos espíritas são produzidos por inteligências extra corpóreas, ou seja, pelos Espíritos.
2º) Os Espíritos constituem o mundo invisível e estão por toda parte; povoam os espaços até o infinito; há Espíritos incessantemente ao nosso redor e com eles estamos em contacto.
3º) Os Espíritos agem constantemente sobre o mundo físico sobre o mundo moral, sendo uma das potências da Natureza.
4º) Os espíritos não são entidades à parte na Criação: são as almas dos que viveram na Terra ou em outros Mundos, desprovidas do seu envoltório corporal; do que se segue que as almas dos homens são Espíritos encarnados e que ao morrer nos tornamos Espíritos.
5º) Há Espíritos de todos os graus de bondade e de malícia, de saber e de ignorância.
6º) Estão submetidos à lei do progresso e todos podem chegar à perfeição, mas como dispõem do livre-arbítrio alcançam-na dentro de um tempo mais ou menos longo, segundo os seus esforços e a sua vontade.
7º) São felizes ou infelizes, conforme o bem ou mal que fizeram durante a vida e o grau de desenvolvimento a que chegaram à felicidade perfeita e sem nuvens só é alcançada pelos que chegaram ao supremo grau de perfeição.
8º) Todo sós Espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens, e o número dos que podem comunicar-se é indefinido.
9º) Os Espíritos se comunicam por meio dos médiuns, que lhes servem de instrumento e de intérpretes.
10º) Reconhecem-se a superioridade e a inferioridade dos Espíritos pela linguagem: os bons só aconselham o bem e só dizem coisas boas; os maus enganam e todas as suas palavras trazem o cunho da imperfeição e da ignorância.
Os diversos graus porque passam os Espíritos constam da Escala Espírita (O Livro dos Espíritos, II parte, cap. I, nº 100). O estudo dessa classificação é indispensável para se avaliar a natureza dos Espíritos, que se manifestam e suas boas e más qualidades.
Sistema da Alma Material: Consiste apenas numa opinião particular sobre a natureza íntima da alma, segundo a qual a alma e o espírito não seriam distintos, ou melhor, o perispírito seria a própria alma em depuração gradual por meio das transmigrações, como o álcool se depura nas destilações. Na Doutrina Espírita, entretanto o perispírito é considerado como simples envoltório fluídico da alma ou Espírito. Constituindo-se o perispírito de uma forma de matéria, embora muito eterizada, para o sistema em causa a alma seria também de natureza material, mais ou menos essencial, segundo o grau de sua depuração.
Este princípio não invalida nenhum dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita, pois nada modifica em relação ao destino da alma. As condições de sua felicidade futura são  as mesmas, a alma e o perispírito formando um todo sob denominação de Espírito, como o germe e o perisperma formam uma unidade sob o nome de fruto. Toda a questão se reduz em considerar o todo como homogéneo em vez de formado por duas partes distintas
Como se vê, isto não leva a nenhuma consequência e não falaríamos a respeito se não houvéssemos encontrado pessoas inclinadas a ver uma escola nova no que não é, de fato, mais que uma simples questão de palavras. Esta opinião, aliás muito restrita, mesmo que fosse mais generalizada não representaria uma cisão entre os espíritas, da mesma maneira que as teorias da emissão ou das ondulações da luz não dividem os físicos. Os que desejassem separar-se por uma questão assim pueril, provariam dar mais importância ao acessório do que ao principal e estar impulsionados por Espíritos que não podem ser bons, porque os bons Espíritos não semeiam jamais o azedume e a cizânia. Eis porque concitamos todos os verdadeiros espíritas a se manterem em guarda contra semelhantes sugestões e não ligarem a alguns detalhes maior importância do que merecem, pois o fundo é que é o essencial.
Cremos, não obstante, dever dizer em algumas palavras no que se funda a opinião dos que consideram a alma e o perispírito como distintos. Ela se apoia no ensino dos Espíritos, que jamais variam a esse respeito. Aludimos aos Espíritos esclarecidos, pois entre os Espíritos em geral há muitos que não sabem mais e até mesmo conhecem menos do que os homens. Aliás, essa teoria contrária é uma concepção humana. Não fomos nós que inventamos nem que supusemos a existência do perispírito para explicar os fenómenos. Sua existência nos foi revelada pelos Espíritos e a observação nela confirmou (O Livro dos Espíritos, nº 93). Ela se apoia ainda no estudo das sensações dos Espíritos (O Livro dos Espíritos, nº 257), E sobretudo no fenómeno das aparições tangíveis que para outros implicariam a solidificação e a desagregação dos elementos constitutivos da alma, e consequentemente a sua desorganização.
Além disso, seria necessário admitir que essa matéria, que pode tornar-se perceptível aos nossos sentidos, fosse o próprio princípio inteligente, o que não é mais racional do que confundir o corpo com a alma ou a roupa com o corpo. Quanto à natureza íntima da alma nada sabemos. Quando se diz aquela é imaterial, devemos entendê-lo em sentido relativo e não absoluto, porque a imaterialidade absoluta seria o nada. Ora, a alma ou Espírito é alguma coisa. O que se quer dizer, portanto, é que a sua essência é de tal maneira superior que não apresenta nenhuma analogia com o que chamamos matéria, e que por isso ela é, para nós, imaterial (O Livro dos Espíritos, nº 23 e 82)(8)
Eis a resposta de um Espírito a respeito do assunto:
            _ “O que uns chamam perispírito é o mesmo que outros chamam de envoltório fluídico. Eu diria, para me fazer compreender de maneira mais lógica, que esse fluido é a perfectibilidade dos sentidos, a extensão da vista e do pensamento. Mas me refiro aos Espíritos elevados.
Quanto aos Espíritos inferiores, estão ainda completamente impregnados de fluidos terrenos; portanto, são materiais, como podeis compreender. Por isso sofrem fome, frio, etc., sofrimentos que não podem atingir os Espíritos superiores, visto que os fluidos terrenos já foram depurados no seu pensamento, quer dizer, na sua alma. Para progredir, a alma necessita sempre de um instrumento, sem o qual ela não seria nada para vós, ou melhor, não o poderíeis conceber. O perispírito, para nós, Espíritos errantes, é o instrumento pelo qual nos comunicamos convoco, seja indirectamente, por meio do vosso corpo ou do vosso perispírito, seja directamente com a vossa alma. Vem daí a infinita variedade de médiuns e de comunicações.
Resta agora o problema científico, referente à própria essência do perispírito, que é outro assunto. Compreendei primeiro a sua possibilidade lógica.(9)  Resta, a seguir, a discussão da natureza dos fluidos, que é por enquanto inexplicável, pois a Ciência não conhece o suficiente a respeito, mas chegará a conhecê-los se quiser avançar com o Espiritismo. O perispírito pode variar de aparência, modificar-se ao infinito; a alma é a inteligência, não muda sua natureza.(10)  Neste assunto não podeis avançar, pois é uma questão que não pode ser explicada. Julgais que também não investigo, como vós? Vós pesquisais o perispírito, e nós actualmente pesquisamos a alma. Esperai, pois”. – LAMENNAIS.
Assim, os Espíritos que podemos considerar adiantados ainda não puderam sondar a natureza da alma. Como poderíamos fazê-lo? É pois uma perda de tempo perscrutar o princípio das coisas que como ensina O Livro dos Espíritos (nº 17 e 49), pertence aos segredos de Deus. Pretender descobrir, por meio do Espiritismo, o que ainda não é do alcance da Humanidade, seria desviá-lo do seu verdadeiro objectivo, fazer como a criança que quisesse saber tanto quanto o velho. O essencial é que o homem aplique o Espiritismo no seu aperfeiçoamento moral. O mais é apenas curiosidade estéril e quase sempre orgulhosa, cuja satisfação não o faria avançar sequer um passo. O único meio de avançar é tornar-se melhor.
Os Espíritos que ditaram o livro que traz o seu nome provaram a própria sabedoria ao respeitarem, no tocante ao princípio das coisas, os limites que Deus não nos permite passar, deixando aos Espíritos sistemáticos e presunçosos a responsabilidade das teorias prematuras e erróneas, mais fascinantes do que sérias, e que um dia cairão ao embate da razão, como tantas outras oriundas do cérebro humano. Só disseram o justamente necessário para que homem compreenda o seu futuro e assim encorajá-lo na prática do bem. (Ver a seguir, na segunda parte do cap. I: Acção dos Espíritos sobre a matéria).
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(1) As mesmas dúvidas suscitadas pelo Espiritismo repetiram-se, um século após o seu advento, e portanto em nosso tempo, com o reinício das pesquisas científicas dos fenômenos paranormais (na verdade fenômenos espíritas) pela Parapsicologia. E o desenvolvimento desta nova ciência renova aos nossos olhos as mesmas disparidades de opinião que caracterizam o aparecimento do Espiritismo. (N. do T.)
 (2) Conta Simone de Beauvoir, em “Força da Idade”, uma experiência de tiptologia com Jean Paul Sartre, em que ela fez a mesa bater à vontade, iludindo a todos, inclusive o próprio filósofo. Como se vê por essa brincadeira entre filósofos ateus e céticos, a posição da inteligência francesa ainda não mudou a respeito do assunto. É pena que em vez de brincar não tenham feito uma experiência séria. (N. do T.)
 (3) Médico Jobert, de Lamballe. Para sermos justos devemos dizer que essa descoberta se deve ao sr. Schiff. O sr. Jobert apenas desenvolveu as suas conseqüências perante a Academia de Medicina para dar o golpe decisivo nos Espíritos batedores. Todos os detalhes podem ser encontrados na Revista Espírita de junho de 1859. (Nota de Kardec)
(4) Ernesto Bozzano defenderia mais tarde esta tese em “Animismo e Espiritismo”, num sentido mais amplo. Ver esse livro (N. do T.)
(5) “Comunhão. A luz do fenômeno do Espírito. Mesas falantes, sonâmbulos, médiuns, milagres. Magnetismo espiritual: poder da prática na fé. Por Ema Tirpse, uma alma coletiva escrevendo por intermédio de uma prancheta.” Bruxelas, 1858, edição Devroye
 (6) O sistema da excitação das idéias é hoje renovado pela hipótese igualmente falsa do “inconsciente excitado”, que pseudoparapsicólogos procuram difundir contra as manifestações espíritas. Como se vê, os meios e as armas de combate ao Espiritismo continuam os mesmos, apenas com algumas adaptações às novas condições culturaisMas, em compensação, as respostas já estão praticamente dadas nas obras de Kardec. O espírita que as estuda com atenção refutará facilmente essas repetições de velhos sistemas superados. (N. do T.)

 (7) Esta questão foi tratada em O Livro dos Espíritos (números 128 e seguintes), mas recomendamos a respeito, como para tudo que se refere à parte religiosa, a brochura intitulada: Carta de um católico sobre o espiritismo, do Dr. Grand, antigo cônsul da França (edição Ledoyen) e a que publicamos com o título de Os Contraditores do Espiritismo do ponto de vista da Religião, da Ciência e do Materialismo (N. de Kardec.)
 (8) O Espírito é definido no nº 23 de O Livro dos Espíritos como princípio inteligente, em comparação com o princípio material. O nº27 explica que esses dois princípios, tendo Deus como a sua fonte, forma a trindade universal, princípio de todas coisas. Isto nos mostra que a concepção espírita do Universo é monista, num sentido espiritual. As ciências atuais estão chegando a essa concepção, como vemos pelo conceito moderno de matéria como concentração de energia. Alguns estudiosos não compreenderam bem esta posição doutrinária e pensam que matéria e Espírito são a mesma coisa. Kardec e os Espíritos negam a concepção abstrata do Espírito, conforme a teologia e a metafísica antiga, porque essa concepção torna o Espírito inacessível ao pensamento humano. Por isso Kardec afirma que a alma (Espírito encarnado, que anima o corpo) ou o Espírito (o ser desencarnado) é alguma coisa. O mesmo acontece hoje na Parapsicologia, quando Rhine e seus companheiros constatando que o pensamento não se sujeita às leis físicas, afirmam a sua natureza extrafísica, evitando adotar a expressão espiritual, que levaria a uma interpretação teológica. Os estudantes de Espiritismo devem atentar bem para este problema (N. do T.)
 (9) Comprenez d´abort moralement, diz o original. A tradução geralmente usada: Compreendei primeiro moralmente é literal, mas não corresponde ao sentido do texto, pois moralmente não têm, na nossa língua, todas as acepções do francês. No original quer dizer, segundo o leitor pode verificar num bom dicionário francês: segundo as possibilidades do campo das opiniões ou do sentimento. (Ver, por exemplo, os dicionários Larousse ou Quillet). (N. do T.)
(10) O texto francês disse: Lê perisprit peut varier et changer à I´infinit, I´âme est la pensée; elle ne change pás de nature. As traduções, em geral, são literais,mas não correspondem ao sentido do texto. La pensée, no caso, quer dizerinteligência, segundo a proposição cartesiana vigente na época: o pensamento é o atributo essencial do Espírito e a extensão é o da matéria. Consulte-se o verbete pensée num bom dicionário francês. Dizer hoje, e particularmente em português,que a alma é o pensamento equivale a deixar o leitor em dúvida quanto ao sentido da frase e quanto ao significado da palavra pensamento no Espiritismo, onde a alma como o Espírito, são o princípio inteligente e portanto a inteligência em sentido lato, origem do pensamento. (N. do T.)