sábado, 5 de junho de 2010

Interessante caso de identificação espírita


O caso que vou resumir foi narrado por um investigador que procede a suas pesquisas por meio de métodos rigorosamente científicos e que continua irredutivelmente cético com referência à interpretação espírita das extraordinárias manifestações mediúnicas por ele próprio obtidas.
O livro do qual resumo o caso em questão tem o título Forty Years of Psychic Research e é de autoria de Hamlin Garland. O bem conhecido escritor norte-americano, aos 75 anos de idade, resolveu publicar os importantes relatos das pesquisas psíquicas por ele próprio dirigidas como research officer das duas sociedades americanas de pesquisas psíquicas que se sucederam nos Estados Unidos da América. Trata-se de um investigador oficial, rigorosamente científico, que, além de tudo, sabia experimentar. Isto significa que, ao contrário dos outros research officers, nunca se esqueceu de que os instrumentos de trabalho nesse campo são pessoas humanas dotadas de extrema sensibilidade. Em todos os momentos e antes de tudo, portanto, teve o maior cuidado em atrair a simpatia e a confiança dos médiuns com quem ia trabalhar, a fim de poder, por tal meio, aplicar os mais rigorosos controles, isto é, os mais desapiedados, com pleno consentimento das vítimas que a ele se entregavam com emocionante espiritualidade. Tendo realizado sessões com numerosos médiuns profissionais, no seu livro, porém, somente cita alguns fenômenos excepcionais por ele obtidos, a fim de se consagrar pessoalmente às experiências com cinco ou seis médiuns particulares que, embora permanecendo desconhecidos, eram, não obstante, bastante poderosos para se tornarem célebres se não houvessem considerado seus poderes como algo sagrado e religioso, que não era conveniente profanar buscando notoriedade e interesse de qualquer forma.
A obra do Sr. Garland, pelas manifestações extraordinárias a que assistiu seu autor e pelo rigor dos controles aplicados, é uma das mais importantes e edificantes que tem aparecido à luz do mundo inteiro, depois de muitos anos. Publiquei, a respeito dela, extensa análise que foi comentada na Itália. Aqui, porém, quero somente narrar a estudar um caso complexo e pouco comum de identificação espírita que apresenta modalidades excepcionais de desenvolvimento, ainda que tenha tido a mesma sorte de todos os outros casos do gênero, isto é, não conseguiu convencê-lo da origem extrínseca ou espírita dos casos desta natureza.
A tal propósito, saliento que o irredutível ceticismo do autor ante a eloqüência das provas obtidas foi severamente exprobrado por certos críticos, o que, conforme a minha opinião pessoal, é injusto. Cada um tem o direito de pensar por si mesmo, sempre que as suas convicções sejam a expressão sincera de sua alma e sob a condição indispensável de que cada um respeite também, escrupulosamente, as convicções dos outros. Ora, Hamlin Garland respeita totalmente as opiniões dos que divergem de sua maneira de pensar e vai mesmo a ponto de declarar que se esforça, ardoro-samente, por participar daquelas convicções, lamentando seu próprio critério que a isto o impede. Que mais se lhe poderá exigir?
Parece-me que seu ceticismo, baseado em considerações gratuitas de filósofo estranho à metapsíquica, deva ser, pelo contrário, um tema de reflexão instrutiva para os leitores do livro, visto que não se poderá censurar um autor que sinceramente expõe o seu estado d’alma, seja ele qual for. Nada mais há além de imoderações de linguagem que, bem freqüentemente, são empregadas pelos adversários contra os defensores da hipótese espírita; nada mais que imoderações injustificáveis e irritantes que devem ser superadas por um raciocínio enérgico, tanto mais por serem empregadas em termos de pena e de superioridade, cheios de arrogância, pelos que se esquecem de que, dentre os defensores dos casos em questão, há célebres homens de ciência como Wallace, Crookes, Myers, Barrett, Hodgson, Hyslop, Geley, Du Prel, Lombroso, Brofferio, Luciani. Misérias e erros da vaidade humana.
Depois desta longa introdução, proponho-me a resumir o acontecimento, advertindo que meu resumo só pode dar uma pálida idéia da impressão altamente sugestiva, do ponto de vista espírita, que se obtém dos informes deste caso, que ocupam nada menos do que uma centena de páginas do supracitado livro.
Achando-se em Chicago, o autor do livro deparou, casualmente, na residência de um amigo, com uma senhora de sobrenome Hartley, que lhe foi apresentada como médium escrevente. Naturalmente expressou o desejo de realizar com ela algumas sessões, mas a referida senhora se recusou sob o pretexto de que não era médium profissional, para em seguida confessar:
“Sois escritor e eu não quero expor-me a ser assunto de artigos sensacionalistas. Viúva e mãe de um menino de doze anos, devo ser prudente.”
Finalmente, o nosso autor, rodeando-a de atenções e fazendo-lhe promessas, conseguiu vencer seus escrúpulos e, com alguns amigos comuns, realizou a primeira sessão. A mediunidade da sra. Hartley era de voz direta e de escrita direta. A escrita se efetuava entre duas ardósias unidas e dispostas de modo a deixar um espaço suficiente para permitir que um pequeno lápis escrevesse entre elas. A médium não caía em transe e as sessões se realizavam a plena luz do dia.
O sr. Hamlin Garland levara suas ardósias consigo e entre elas introduzira uma folha de papel dobrada, com as seguintes palavras escritas:
“Querido Edward, para servir de prova de identidade, queira reproduzir aqui alguns compassos de seu manuscrito musical inédito.”
Referia-se a seu amigo Edward Mac Dowell, músico e com-positor de talento, falecido há poucos meses.
Ele próprio quis fechar as ardósias que, em seguida, entregou à médium. Esta, por sua vez, colocou-as em cima da mesa, convidando o experimentador a conservá-las a seu lado.
O sr. Hamlin fez a seguinte observação:
“Percebi o ruído de um lápis que escrevia no interior das ardósias, bem como o fenômeno produzido pelas vibrações delas ao mesmo tempo, quando a médium igualmente as segurava por um lado com a mão direita, estando a esquerda pousada sobre a mesa.
Terminada a escrita, a médium retirou as ardósias e as abriu, verificando que ambas haviam sido utilizadas. Em uma podia-se ler uma mensagem do espírito-guia e na outra, estas palavras, bem significativas para mim: “Desejaria que me pudesses ver transformado tal qual estou, sempre absorvido pelo trabalho e feliz por ser assim! (a) E. A. Mc Dowell.”
Abaixo da mensagem, à esquerda, estavam traçadas quatro linhas sobre as quais se podiam ler três notas musicais.
O autor observa:
“O nome escrito era Mc Dowell em vez de Mac Dowell, mas as iniciais que o precediam e que eu não havia escrito no papel eram exatas.”
O mesmo fenômeno se reproduziu numa das sessões seguintes, tendo o falecido amigo escrito esta mensagem:
“Estou extenuado, já não sou o mesmo. Agora sinto-me reviver em um ambiente de progresso infinito. Como está a minha mulher? Alguém a auxilia?”
A esta última pergunta, o sr. Hamlin Garland respondeu em voz alta:
“Ela está bem. Não é infeliz e alguém a protege.”
A mensagem tinha um elevado significado probatório, pois o espírito comunicante havia sofrido grave enfermidade mental que o impedira de trabalhar até a sua morte.
Durante uma das repetições do fenômeno, quando a médium mantinha as ardósias sobre a mesa, elas escaparam-lhe das mãos e foram cair em cima dos joelhos do autor, que assim observa:
“Enquanto estas (as ardósias) se achavam sobre os meus joelhos, eu ouvia o lápis correr em seu interior. Quando as abri, notei que o pentagrama tivesse sido retocado, as linhas estavam mais bem marcadas e numerosas notas tinham sido acrescentadas.”
Outras notas musicais continuavam a alinhar-se a cada nova repetição, ao mesmo tempo em que um fraco murmúrio começou a fazer-se ouvir, respondendo diretamente as perguntas do experimentador em lugar de fazê-lo por meio da escrita nas ardósias, como anteriormente. A este respeito, observa o autor:
“Devo reconhecer que todas as observações do amigo defunto eram feitas de modo impressionante, absolutamente de acordo com o seu caráter. Além disso, parecia ansioso, profundamente ansioso, por obter notícias de sua esposa e de seu estado de saúde. Simultaneamente, pela escrita direta, outras notas se alinhavam e eram mais cuidadosamente traçadas. O murmúrio informou que essas notas eram extraídas do terceiro movimento de sua Sonata Trágica. Logo se sucederam outras notas, mas encimadas de um título: Húngara ou Hungria. Falando com o invisível, perguntei-lhe:
– Estas notas são talvez extraídas de alguma composição inédita.
– Sim.
– É uma composição, ou melhor, são notas à margem de uma composição?
– É um pequeno trecho de música.
– Onde se encontra ele?
– Entre meus manuscritos em Nova Iorque, em minha casa...
Note-se que esta nova música apareceu nas ardósias quando estas estavam debaixo de meu pé, e mesmo assim eu sentia as vibrações do fenômeno. Note-se ainda que fui eu mesmo quem abriu as ardósias, sem intervenção da médium...
Devo confessar ainda que, em tal momento, senti a impressão de achar-me em contato com o meu falecido amigo. À medida que esses sussurros se tornavam mais interessantes, eu vigiava com redobrada atenção os lábios da médium, sem conseguir perceber sequer um sinal de movimento deles ou mesmo da garganta. Como quer que seja, é claro que a hipótese de ventriloquia não poderia explicar o fenômeno das notas musicais traçadas nas ardósias, seguras, a princípio, em minhas mãos e, em seguida, debaixo de um dos meus pés.
Como as notas musicais continuassem a aparecer, dirigi-me ao invisível para lhe dizer:
– Edward, você foi além de minhas capacidades de experimentador. Não posso transcrever estas notas de música e muito menos identificá-las. Preciso de alguém que me ajude. Lembra-se de Henry Fuller, de Chicago?
– Sim – respondeu ele.
– Vou convidá-lo para vir às nossas reuniões. Ele tem prá-tica de escrita musical e é um excelente pianista. Graças a ele, estarei em condições de pôr em ordem as três mensagens.
O invisível deu o seu consentimento, apesar da desagradável e inevitável interrupção das sessões que se seguiu.”
Foi então que começaram as sessões mais importantes desta extensa série de experiências, porém não é possível resumir aqui as outras cinqüenta páginas dedicadas ao caso em questão, cheias como estão de interessantes episódios.
Devo, pois, limitar-me a citar breves passagens destacadas e tentar fazê-lo de uma forma coerente e lógica. Conta o autor o seguinte:
“Apenas presente o músico Fuller, nasceu no músico do além a esperança de chegar a transcrever totalmente a sua composição musical. Seus sussurros tornaram-se agudos, produzindo a impressão da presença de uma personalidade poderosa e resoluta, tal como fora seu temperamento quando vivo. Eu falava como se realmente me achasse na presença de meu amigo Mac Dowell ressuscitado. Durante essas séries de sessões, a médium nunca tocou as ardósias, em nenhuma circunstância. Mesmo que se concedesse a possibilidade de uma ventriloquia, restaria insolúvel o mistério da escrita entre as ardósias, que se produziu sobre os meus joelhos ou nas mãos de Fuller, sem intervenção da médium.
À medida que os murmúrios se tornavam mais distinguíveis, revelaram-se progressivamente os característicos de Mac Dowell. A maneira de falar era incontestavelmente a dele, a ponto de causar espanto – concisa, rápida, imperativa. De quando em quando, indicava os erros do copista, ditava as correções, como mais adiante veremos.
Em um dado momento, Fuller sentiu dificuldade de transcrever um compasso e a voz do defunto aconselhou-o a experimentá-lo ao piano. Então a médium sentou-se numa ampla poltrona, como uma simples observadora, e Fuller foi ao piano. Coloquei-me a seu lado e assim permanecemos por duas horas. Fuller transcrevia, sob ditado, as notas musicais dadas pelo defunto e, em seguida, as executava ao piano. Assim foi composta uma suave melodia, de tom místico. Quando Fuller tocava, meu corpo sentia-se sacudido por vibrações estranhas e, em um dado momento, pareceu-me perceber Mac Dowell suspenso no ar, diante de mim. Dir-se-ia estar vigiando o ditado, colocado por detrás dos ombros de Fuller, mas sua voz, ao contrário, vinha do alto... Um fato notável: quando ele mesmo queria corrigir o ditado, não podia fazê-lo se de antemão as ardósias não tivessem sido fechadas!
Quando Edward voltou a tomar o controle, disse a Fuller:
– Agora toque tudo o que lhe ditei!
Fuller executou oito compassos e o defunto exclamou:
– Muito bem. Agora eu acrescento o acompanhamento.
Foi quando se produziu um incidente assombroso. Sentindo-me fatigado, deixei-me cair na cadeira, retirando a mão que havia posto em cima da mesa. Logo ouvimos a voz do defunto perguntar com ansiedade:
– Onde está Garland? Não o vejo mais! Garland, onde você está?
Respondi-lhe:
– Estou aqui! – E coloquei de novo a mão sobre a mesa.
Com um grande suspiro de satisfação, o invisível fez esta observação:
– Agora vejo-o novamente. Não se retire mais.
Dir-se-ia que, durante certo momento, eu estive afastado da estreita zona de ectoplasma por onde se estabelecia o contato entre os dois mundos. Era evidente que o fato de eu ter retirado a mão de sobre a mesa me colocara fora de sua zona de visão...
Em certa ocasião, o espírito comunicante observou que, durante sua vida, não se encontrara com Fuller mais do que duas vezes. Este perguntou:
– Pode dizer-me onde já nos encontramos?
– Sim, em Nova Iorque e, nas duas circunstâncias, durante um almoço em casa de amigos.
– Exatamente – confirmou Fuller. Pode indicar-me, com precisão, os lugares?
– Da primeira vez foi em um almoço realizado na Quinta Avenida. Não posso indicar exatamente o lugar onde nos reunimos pela segunda vez, mas o almoço foi servido no sub-solo de um edifício, ao qual éramos forçados a descer por uma escada apertada.
Interrogando, por minha vez, disse:
– Também é verdade. Pode dizer-me quais eram os demais convidados?
O timbre de sua voz mudou, titubeava:
– Eis aqui! Estavam presentes minha Maria, John Lane, você, Fuller e... não me recordo mais.
Sua voz se apagava e, com um suspiro, declarou:
– Não estou certo dos demais...
Fuller e eu nos encaramos, estupefatos.
Como ousar pretender que semelhantes indicações pudessem provir do subconsciente da médium? Mesmo admitindo que ela fosse ventríloqua, poderia ter conhecimento do tal almoço servido no subsolo de um edifício da Quinta Avenida?
Houve, ademais, algo de emocionante e de convincente no doloroso suspiro com o qual o defunto confessou sua falta de memória, o que teve para mim uma significação bem maior do que para Fuller, pois foi precisamente nesse banquete que, pela primeira vez, percebi vacilar a razão de meu pobre amigo Mac Dowell. Era o começo de sua decrepitude mental.
Terminado o ditado musical, o espírito-guia Coulter interveio para nos informar:
– A peça de música que lhes foi ditada não é a reprodução de um manuscrito do espírito comunicante, mas a fusão de vários arranjos musicais.
Depois disso, o comunicante, referindo-se ainda à composição ditada, empregou a palavra misturamos e assim nos fez compreender que havia juntado nela notas musicais espalhadas em folhas volantes, em seus manuscritos.
Quando Fuller executou a composição ficou impressionado pela melodia de pensamento místico, completamente diferente de qualquer classe de música ouvida e ela penetrou em minha alma, provocando o mesmo calafrio que me assaltara durante a última sessão, quando, ao despedir-me, pareceu-me sentir a mão de Mac Dowell apoiar-se sobre os meus ombros.”
Devo suspender aqui o resumo das sessões para narrar os dolorosos fatos que se sucederam, motivados pela mencionada identificação das duas composições musicais obtidas de tão maravilhosa maneira.
O narrador do caso foi à casa da viúva de Mac Dowell temendo, com certa ansiedade, vê-la sofrer alguma comoção ao relatar-lhe o sucedido, mas o contrário foi o que aconteceu. Ela sorriu com ar piedoso e apenas divertiu-se ao ouvir contar tais coisas. De início negou que existissem entre os manuscritos de seu falecido marido fragmentos de uma composição intitulada Hungria. Negou também que o editor musical Schubert possuísse um manuscrito do defunto que devesse devolver. Finalmente fez notar ao sr. Garland que ele fora vítima de uma miserável mistificação. Garland insistia para que a viúva tomasse informações com o referido editor e ela, finalmente, acabou por ceder – ou dar mostras de que cedera –, informando, em seguida, que nada havia sido encontrado na residência do editor.
Apesar de tudo e a despeito de tantas negativas, produziu-se inesperadamente um notável incidente de identificação e este por meio da própria viúva, que, não obstante, se dignara a olhar com completa indiferença as ardósias que traziam as comunicações ditadas por seu falecido esposo. Ao vê-las, estremeceu subitamente e, examinando a firma do defunto, perguntou com vivacidade:
“– Como o senhor obteve esta assinatura?
– Obtive-as ao mesmo tempo que as mensagens que a senhora leu nas ardósias colocadas sobre os meus joelhos. A médium estava sentada do outro lado da mesa. Contudo, não dou muita importância a esta assinatura, que não deve ser a de Edward.
– Mas sim, é a firma de Edward. Ele assinava exatamente assim quando pela primeira vez o encontrei em Leipzig.
– Mas a senhora não percebe, entre outras coisas, que a assinatura está incompleta? Ele assinava Edward A. Mac Dowell, enquanto aqui está Edward Mac Dowell, com o acréscimo de um “florejo” em ziguezague debaixo da firma, o que ele nunca fez.
– Não! Não! Tudo está certo. Naquela época ele não assinava de outro modo e desenhava estes arabescos infantis debaixo de seu nome. A assinatura é verdadeira!”
Dizendo isto, tirou da parede um quadro com um manuscrito e disse:
“– Pode ver. Aqui está a assinatura autêntica, a mesma que está reproduzida na ardósia.”
E continua o redator:
“O tal manuscrito era um certificado que atestava ser a srta. Mary Nevins (nome da viúva em solteira) exímia pianista e estava assinado Edward Mac Dowell, com os mesmos ara-bescos debaixo do nome.
Apesar disto a indiferença da sra. Mac Dowell por nossa mensagem musical permaneceu sem mudança alguma, o que me causou, confesso-o, o efeito de uma ducha fria. Nem ao menos quis tocar ao piano essa composição, nem tampouco quis controlar a autenticidade dos compassos que o espírito comunicante assegurava haver tomado de empréstimo de sua Sonata Trágica.”
Tal foi o objetivo da investigação levada a cabo por nosso Research Officer, que julgou que esses resultados equivaliam a uma anulação da identificação pessoal de seu falecido amigo Mac Dowell e que, ao contrário, tudo fora um produto de sua mente, combinada com a de Fuller.
Persistiam esses fatos indubitavelmente supranormais – se não mesmo maravilhosos – que deram lugar à pretensa mistificação simbólica. Eles não podiam ser refutados e o seu relator o reconhece e o afirma pessoalmente, terminando com estas refle-xões:
“Quando analisei os fatos à luz de minha nova experiência, eles adquiriram valor em vez de perdê-lo. Em tais condições, senti um princípio de arrependimento e certo dia eu disse a Fuller:
– Sinto que devia perseverar nas minhas investigações. O amigo Edward com certeza espera a nossa volta.
Se eu tivesse sido um pouco menos desconfiado sobre a verdadeira natureza das conversações-murmúrios, certamente teria prosseguido as minhas investigações, mas, ao contrário, não o fiz. Havia algo em mim que me impedia, criando uma insuperável barreira psicológica. Desejava sair convencido, mas esse desejo nunca foi suficientemente forte para deter-minar a ação.”
Foi desta maneira que o autor do livro terminou o seu relato do caso. No que me diz respeito, desde logo compreendi que a má vontade da viúva de Mac Dowell, evidentemente hostil ao espiritismo, me autoriza a crer que as suas negativas não expri-miam a verdade inteira, Sem pensar que, além do mais, ela se recusou a controlar duas das circunstâncias fundamentais relativas a esse complexo caso de identificação.
Por outro lado, porém, é preciso considerar esta outra circunstância, isto é, que a morte de Mac Dowell ocorreu depois de uma grave enfermidade mental (paralisia progressiva) que, nos últimos anos de sua vida, lhe havia alterado a memória e a razão. Nada mais natural, portanto, que, comunicando-se mediunicamente, quer dizer, voltando a entrar em contato com a vida terrestre graças aos fluidos vitais exteriorizados pela médium, tenha-se produzido o bem conhecido fenômeno dos espíritos comunicantes, que, manifestando-se por médiuns de incorporação ou por formação ectoplásmica, recuperam parcialmente as condições mentais em que se achavam durante a vida terrena. Ao caso em questão corresponde a época da perda da memória sofrida durante sua enfermidade. Daí a possibilidade de uma confusão de recordações, quando o defunto pretende ter remetido seu manuscrito ao editor Schubert, como se lê na seguinte passagem de um diálogo entre o defunto e o narrador:
“Caro Garland, há um estudo musical meu que confiei ao editor Schubert. Desejava recuperá-lo para remetê-lo a Schmidt. Minha esposa deve sabê-lo.”
Depois disso, o comunicante, com ar de incerteza e de tristeza acrescentou:
“Tive intenção de fazê-lo, mas teria mesmo conseguido sua devolução? Minha mente já estava então conturbada e não sei, não sei realmente se o recuperei.”
O próprio comunicante duvidava, pois de sua afirmativa.
Acrescentamos que esta incerteza do defunto confirma-se mais ainda pela outra circunstância de ter o espírito-guia intervindo certa vez para retificar uma afirmação errada do defunto, com relação à composição musical que ele próprio havia ditado. O espírito-guia sabia, pois, que o comunicante, devido à sua imersão na aura da médium, voltara a cair novamente nas condições de amnésia cerebral que sofrera durante a sua última enfermidade.
Quanto ao outro episódio dos compassos que, a título de prova de identidade havia extraído de sua composição Sonata Trágica, nada se pode garantir, desde que a viúva se recusou a controlar o fato.
Esclarecido isto, parece-me que o muito interessante caso de identificação espírita do qual viemos tratando deve adquirir todo o valor demonstrado que incontestavelmente possui, malgrado a decepção desalentadora que produziu nos que o testemunharam.
Voltarei a este ponto nas minhas conclusões, mas antes convém que me dedique a esclarecer a natureza do ceticismo irredutível do autor do livro, narrando alguns incidentes eloqüentes da mesma categoria.
Em outra vasta série de experiências em que era médium uma senhora idosa, amiga da família e dotada da faculdade de voz direta, pouco desenvolvida mas realmente mediúnica no verda-deiro sentido do termo, obteve Garland um considerável número de provas de identificação espírita em várias sessões que se relacionavam com o músico Fuller, que então já havia falecido. Fuller se lhe manifestara em várias sessões, fornecendo-lhe uma série particularmente sugestiva de pequenos incidentes de identificação pessoal que, sem serem provocados, surgiram das mesmas conversações com o velho amigo, através da voz direta.
Outro amigo do relator – o poeta Walt Whitman – manifestou-se, com o seu estilo característico, e fê-lo exclamar:
“Esta frase de Walt Whitman seria para mim mais que surpreendente se eu pudesse crer em sua presença real neste lugar.”
Certa tarde se lhe manifestaram, um após outro, numerosos amigos que lhe eram muito queridos e, terminada a sessão, tornou a encontrar suas firmas autênticas, traçadas no caderno. O autor não deixou de responder à tentativa de convencê-lo, com esta declaração:
“Estas sessões são absurdas! Não posso acreditar na presença, aqui em meu escritório, de Fuller, William James, Conan Doyle e a sua, caminhando de quatro pés, a chiarem através de uma corneta de lata!”
Um dos espíritos comunicantes replicou com indignação:
“– Mas quem lhe disse que nos arrastamos a quatro pés em seu estúdio?
Ao que lhe respondeu então o relator:
– Pode-se então acreditar que vocês podem viver em um “plano”, que podem manter-se independentemente de um recinto? Assim penso devido ao modo pelo qual vocês se comportam. Esta encenação é ridícula e não posso levá-la a sério. Suas atitudes são inexplicáveis, inaceitáveis, sem significação alguma.”
Foi quando William James tomou a palavra para explicar ao insolente cético, com toda a serenidade, a razão da presença deles em seu escritório e o nosso autor assim retorquiu:
“Apesar de tudo, não posso chegar a crer que Walt Whitman, Roosevelt e os demais amigos estejam aqui, combinados, para minha própria satisfação e a de minha família. Gostaria de acreditar mas não posso.”
Outro amigo, chamado William V. Moody, manifestou-se em seguida, traçando sua própria firma pela escrita direta. A este respeito observou o autor:
“Essa firma era perfeita em suas mais insignificantes garatujas, mas é verdade que nenhum de nós a pedira e nem mesmo pensara nela. Apesar disto, manifestou-se deixando uma firma tão perfeita que o mais perito caixa de banco teria aceitado como autêntica.”
Finalmente se lhe manifestaram o pai e a mãe, porém, infelizmente, malogrados todos os esforços que fizeram, não conseguiram convencê-lo. É nos seguintes termos que ele descreve uma dessas piedosas tentativas:
“Depois disso a corneta acústica, lenta e docemente, veio aninhar-se em meus braços, como já o fizera em outra ocasião, e tive a impressão real da presença de meu visitante tímido e afetivo. Perguntei-lhe:
– Será talvez novamente a minha mãe?
O visitante respondeu afirmativamente, por meio de fracas pancadas na corneta. Acrescentei então:
– Mamãe, dirija-se de preferência a Isabel (minha filha) e tente falar-lhe, pois ela compreenderá melhor suas palavras tão dolorosas!
A corneta se levantou, aproximando-se de minha filha, quase a tocar-lhe na orelha. Os esforços se renovaram com dificuldade, mas continuaram impotentes para pronunciar as palavras. Eu a animava:
– Vamos, vamos, mamãe! Pronuncia o nome de Isabel! e da corneta escapou um sussurro bem claro:
Isabel!
E, quando exclamei:
Também o ouvi!, um suspiro entrecortado de lágrimas reprimidas saiu da corneta, como se minha mãe houvesse chorado de alegria. Foi então que escaparam de mim estas palavras:
Ah! se eu pudesse acreditar neste murmúrio! Este instante fugitivo seria o maior acontecimento de minha vida! O murmúrio deste nome assumiria para mim um significado incomparavelmente superior ao de todas as pesquisas de Millikan sobre os raios cósmicos.”
Esta última exclamação do nosso autor, tão sincera e tão cheia de pesar, basta por si mesma para tornar patente o estado d’alma de quem a expressou. Desejava, por todos os meios possíveis, convencer-se, mas se achava em completa impossibilidade de consegui-lo devido à sua mentalidade literalmente fechada à idéia da existência, no ser humano, de um espírito que sobrevivesse à morte de seu corpo.
No capítulo das conclusões, volta a todas as perplexidades de ordem experimental sobre as razões científicas e as especulações filosóficas que o levam à descrença. Quanto às perplexidades de ordem experimental que apresenta diante das provas de identifi-cação pessoal dos defuntos, são elas tão pouco numerosas e tão fúteis que nem ao menos podem surpreender. Mais numerosas são as objeções de caráter científico e filosófico que, segundo o autor, contrariam toda possibilidade de existência e de sobrevivência da alma humana. Estas, porém, também são fúteis, ingênuas ou absurdas. Como não são novas e são completamente indignas de discussão, abstenho-me de citá-las para não perder tempo, tanto mais que as abstrações filosóficas e a presunção pseudocientífica nada podem contra fatos reais.
De qualquer modo, repito o que disse no começo: o autor achava-se em seu pleno direito de exteriorizar, em consciência, suas dúvidas, suas perplexidades e seu ceticismo sobre a gênese dos fenômenos mediúnicos propriamente ditos – e muito mais por ter, antes de tudo, estudado a fundo o problema em questão. E mais direito lhe assiste ainda por ter sempre demonstrado respeito pelas opiniões alheias. Observo, por outro lado, que o livro, precisamente devido ao irredutível ceticismo teórico do autor, não deixa de ser bastante impressionante e eficaz sob o ponto de vista fenomênico e também espírita. Não é menos edificante sob o ponto de vista psicológico, com relação à gênese e elaboração das convicções, consideradas em suas relações com a influência perturbadora das prevenções sobre o correto exercício do raciocínio humano.
Quanto ao caso de identificação pessoal supracitado, noto que, se tivermos em conta as explicações dadas a propósito de ligeiros erros de memória cometidos pelo defunto, teremos de reconhecer que esses erros não apresentam nenhum valor teórico suscetível de neutralizar a interpretação espírita dos fatos, visto que, para provar a presença real do defunto comunicante in loco, somente três episódios, entre muitos outros, são suficientes.
Começo pelo relato em que o experimentador, sentindo-se fatigado, abandona-se sobre uma cadeira, retirando a mão que havia colocado em cima da mesa. A esse gesto rápido seguiu-se a voz ansiosa do defunto, que perguntou: “Onde está Garland? Não o vejo mais! Garland, onde você está?” Este respondeu: “Estou aqui” e tornou a colocar a mão sobre a mesa, penetrando assim mais uma vez na zona mediúnica perceptível para o espírito, que exclamou: “Agora vejo-o novamente. Não se retire mais”. Esse incidente assombroso e não provocado revela a presença, no lugar, de um autêntico espírito de desencarnado que, não percebendo mais o amigo encarnado e não atinando com o motivo, pediu ansiosamente explicações a respeito.
Considero que o desenvolvimento espontâneo e autêntico do incidente provocado de maneira inesperada, por um gesto insignificante, em si, é evidente a todos. Se, todavia, alguém quiser atribuir o incidente a um embuste da personalidade mediúnica, farei notar, neste caso, que seria conceder-lhe um tal conhecimento da mediunidade que ela não ignoraria absolutamente o fato de que a retirada da mão de sobre a mesa provocaria o desaparecimento do experimentador da zona perceptível por um autêntico espírito. Pois bem, o conhecimento disto só o possui um muito limitado número de investigadores. Mas se – hipoteticamente – essa efêmera personalidade o tivesse sabido, teria ela deixado escapar uma ótima ocasião de perpetuar uma bela mistificação à custa de pobres imbecis? É isto verossímil? Não creio que a credulidade dos incrédulos possa chegar a estes caprichos extremos!
Apresso-me, não obstante, a conceder aos adversários o direito de dizer que, se o incidente exposto prova indiscutivelmente a presença espiritual de um defunto, por outro lado, não o identifica-ria, por si só. Convém, pois, que chame a atenção do leitor para dois fatos importantes, citados anteriormente, que por si sós bastariam para indicar quem era o espírito comunicante.
O primeiro diz respeito ao fenômeno complexo e maravilhoso da transcrição, por escrita direta, de uma magnífica composição musical, inédita e original, através de uma médium completamente desprovida de qualquer cultura musical e na presença, desde o início da sessão, de um só experimentador que se achava – ele também – nas mesmas condições de ignorância de música.
O segundo é a perfeita reprodução da firma do defunto, não a que ele usava durante o período em que o relator o havia conhecido, mas sim uma firma da época de sua juventude. O espírito comunicante acreditava, evidentemente, ter fornecido uma prova de identificação pessoal, que, porém, não foi aceita pela interpretação sofística baseada na leitura do subconsciente das pessoas presentes.
Parece-me que os três supracitados incidentes são suficientes para provar a minha afirmativa. Abstenho-me, para ser breve, de citar outros, não obstante haver uma dúzia deles nos relatos em questão. Termino afirmando que, apesar da opinião contrária do relator, o caso exposto merece ser classificado entre os melhores fatos de identificação pessoal de defuntos comunicantes.

Ernesto Bozzano

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