domingo, 15 de junho de 2014

A HUMILDADE



Jesus é o portador da Segunda Revelação das Leis de Deus, pela qual o crescimento do espírito é entendido feito de aptidões e virtudes. Dentre estas, como sendo a maior, aponta-se a Humildade, virtude que, se não foi compreendida na sua primeira enunciação, continua hoje quase desconhecida. É comum, mesmo entre os que se afirmam cristãos, fazer dela uma idéia totalmente desfigurada, inadequada, destituída de sua significação maior.

A fim de esclarecer seu significado, embora de maneira incompleta, nos apoiaremos em três afirmações de Emmanuel. A primeira: "Se, na ordem divina, cada árvore produz segundo sua espécie, no trabalho cristão, cada discípulo contribuirá conforme sua posição evolutiva." A segunda: "O homem permanece em função de aprendizado e, nessa tarefa, é razoável que saiba valorizar a oportunidade de aprender, facilitando o mesmo ensejo aos semelhantes." A terceira: "Quem retrata em si os louros desta virtude. . . aceita sem constrangimento a obrigação de trabalhar e servir em benefício de todos."

Assim sendo, diremos que, fundamentalmente, a humildade se distingue por três características principais:
1— o desapego aos bens materiais;
2— a necessidade de trabalho e aprendizado dentro do estágio evolutivo de cada um;
3— o servir, na produção do bem comum.

A — O desapego aos bens materiais

Os judeus esperavam um Messias concebido dentro do dogma da Trindade: filho de Deus, ele próprio Deus. O construtor do mundo — o Demiurgo, na expressão de Platão. O dono do mundo, sendo eles o povo predileto. Dessa forma, não poderia ele apresentar-se como homem, porque de outra substância: de substância divina. Não poderia vir ele na dependência das mesmas vicissitudes a que estão sujeitos os humanos, tais como: sofrer, morrer, estar envolvido nas mesmas necessidades. Além disso, deveria apresentar-se com toda a magnificência, na detenção de todos os poderes que a sua divina condição de Arquiteto do Universo lhe conferia. Por tudo isso não viram nele o Messias. Pior: o escarneceram.

Na literatura espírita, Jesus é apontado como o Espírito de grande hierarquia que recebe, no momento de sua formação, o planeta, a fim de conduzir, nele, na caminhada evolutiva, esta humanidade. É a partir deste instante que Ele, junto aos seus comandados, lhe definiu a estrutura, as leis físicas, as condições de vida e o desenvolvimento dos seres através das espécies. Jesus já teria estabelecido sua vinda de antemão.

O momento aprazado teria sido aquele em que a humanidade já teria atingido determinado nível de desenvolvimento, representado pela conquista do monoteísmo, da ciência e da filosofia grega e do direito romano. Atingido esse estágio, necessário se fazia novo impulso nas conquistas de ordem moral. Tal qual hoje, em que, com o progresso material e científico que atingimos, impõe-se novo avanço, também de ordem moral, a fim de consolidar o progresso alcançado.

Esta era sua missão: trazer ao mundo novas concepções de comportamento, reajuste da fé, uma reformulada compreensão do relacionamento do homem com Deus e dos homens entre si — um novo impulso no crescimento das consciências — seu objetivo maior.
Sendo da lei que o espírito se desenvolva nas tarefas da co-criação, entrosadas entre si por um Plano Maior, a cada um é atribuído um papel, uma função e os meios adequados ao seu exercício. Por exemplo: é-nos necessária energia elétrica, para as nossas atividades caseiras. Só por isso ninguém irá exigir uma usina para si. Poderá pleiteá-la, entretanto, se para conduzir indústria de porte bastante que a justifique. A cada um segundo as necessidades da função que lhe é atribuída, por uma questão de equilíbrio. Nem mais, nem menos. E é o conformar-se a este princípio, que denominamos desapego ou desprendimento dos bens materiais.

Não desprezo. O trabalhador não pode desprezar as ferramentas de que se serve para produzir. O desprezo dos bens materiais é um falso conceito introduzido na religião pelo panteísmo, que entende a matéria um mal, esta vida uma incursão no pecado, e o desprezo de tudo aquilo que se relaciona à matéria, a salvação. Desprezar os bens materiais que nos são necessários ao cumprimento de nossa missão corresponderia a enterrar talentos, o que é contrário à lei. A matéria não é um mal. É uma bênção, uma oportunidade que a reencarnação renova: a possibilidade de recompor caminhos, edificar conquistas novas.

Jesus viera ampliar o âmbito da Revelação, no cumprimento da lei. Viera trazer a norma que Ele estabelecera em obediência às leis de Deus, como guia, para a evolução desta humanidade: novos conceitos de aperfeiçoamento, o aprimoramento dos sentimentos. Não para ostentar grandeza, ou para exibir o de que Ele seria capaz. Mas para ensinar, exemplificando, ao homem, o procedimento que lhe cabe assumir para que se conduza com sucesso.

Viera dar uma lição, colocando-se no lugar do homem, da mesma forma que um professor, ao ensinar algo, se situa na posição do aluno, resolvendo suas dificuldades, mostrando-lhe os caminhos de superação das dificuldades — no mesmo nível. A primeira lição foi a de limitar-se a possuir apenas o essencial. Para a missão que vinha cumprir bastava-lhe apenas, primeiramente: uma família bem constituída; um pai honesto, cônscio de seus deveres — um trabalhador de profissão bem definida; uma mãe dedicada e extremamente virtuosa; um povo que detinha as noções religiosas mais avançadas da época — as concepções do Deus único e da vida regida por leis morais.

O nascimento na manjedoura é a primeira grande lição de humildade, destacando, como sua característica de primordial importância, o desprendimento dos bens materiais.

B — A necessidade de trabalho e aprendizado dentro do estágio evolutivo de cada um

A segunda característica fundamental da humildade é o conhecimento do que somos, do que significamos, do papel que nos cabe exercer no meio em que vivemos. É o conhece-te a ti mesmo. Somos espíritos em evolução com largo caminho a percorrer, mas com um acervo de conquistas já feitas. De um lado temos o que oferecer; de outro temos que receber. O que já alcançamos, o que já possuímos, são os nossos talentos, que não podemos enterrar; mas que devemos pôr a produzir em benefício do bem comum.

Jesus sabia quem Ele era e não negava sua condição. No início de suas pregações, conta Humberto de Campos, em Boa Nova, vai a Jerusalém e, abordado por sacerdotes que lhe inquirem sobre o que está a fazer, responde:— Vim implantar o reino de Deus entre os homens.— Mas como! Tu? Por acaso conheces Roma (o direito, a capacidade administrativa? E assim mesmo sem que Roma tivesse conseguido reunir o mundo em um único reino!); a Grécia (sua ciência, sua filosofia, outros grandes capítulos do conhecimento sem os quais não se pode implantar um reino só!)?

A que Jesus responde:— Conheço a Vontade de meu Pai que está nos céus. (Não um reino no sentido da palavra; mas o burilamento dos sentimentos humanos, sobre os quais os homens haveriam de instituir um relacionamento pacífico e fraterno entre si — o reino de Deus.) Pede aos discípulos que o chamem de Mestre — Ele tem uma boa nova a comunicar. Falava com autoridade: — Ninguém vai ao Pai senão por mim. Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Agia com determinação e consciência de seus poderes. Estendia as mãos: curava, ressuscitava, estancava males, expulsava demônios.

É mister saibamos o que somos, o que se espera de nós, para estabelecer, no chamamento do dever, nossa ação de prestatividade. Para tal devemos seguir nossas inclinações, nossas tendências, nossos impulsos recônditos e profundos. Nisso reside também a razão pela qual se recomenda aos jovens que se dediquem ao que gostam, independentemente das dificuldades que possam advir e de qualquer consideração interesseira. Porque nesta linha de ação é que se têm intuições desenvolvidas — bagagem resultante de um passado de conquistas, sobre o qual se assentam as bases de um maior desenvolvimento, da criatividade, de uma mais ampla prestatividade a benefício do todo que, em permitindo dar mais, acarreta um maior receber. Fora disso corre-se o risco de embrenhar-se em uma luta para a qual não se está preparado, não se está em condições de competir.

Ser humilde não é negar-se a si próprio. É Eclipsar-se. É Diminuir-se. Não é despojar-se do que se tem. Deter-se numa pousada do caminho a pespegar: — Eu não sou ninguém... Eu nada valho... Eu sou a última das criaturas. ..- Quem sou eu?. . .Esta é humildade aparente.

Ninguém é inútil ou destituído de valor. Onde quer que estejamos somos peça importante:
— somos um trabalhador, de quem se espera produtividade determinada, em função da tarefa designada;
— somos um marido em quem a esposa confia, para a manutenção e a sustentação do lar;
— somos um pai, do qual se espera proteção, compreensão, orientação;
— somos um cidadão ao qual se confia a sustentação da pátria;
— em qualquer posição que nos situemos somos um seareiro do Senhor de quem se espera boa vontade para o impulsionamento do progresso e o estabelecimento da paz.

Somos criaturas muito importantes, criadas por Deus, merecedoras do seu amor e amparo, destinadas a um fim glorioso e imortal, de quem se espera o cumprimento do papel que lhe foi atribuído. Mas se temos muito a dar pelo que já adquirimos, não resta dúvida de que temos ainda longo caminho a percorrer, a exigir-nos aperfeiçoamento, crescimento na capacidade de produzir para o bem comum, recebendo na justa medida do que dermos.

C — Servir na produção do bem comum
Com o desprendimento em relação aos bens materiais e o conhecimento do papel que nos cabe desempenhar, é da lei que demos o melhor de nós, que sirvamos à criação. Que busquemos na ampliação da nossa capacidade de servir os motivos de aprendizado e aperfeiçoamento, superando os tropeços, ignorando o mal que nos possa ser dirigido.

A falta de desprendimento em relação aos bens materiais e o desconhecimento do que somos, nos desenvolvem o orgulho, a cobiça, e nos induzem a considerar-nos proprietários daquilo que nos cerca ou merecedores de posições a que não fazemos jus. Disso despontam o egoísmo e a vaidade a desviar-nos dos propósitos a que devíamos permanecer ajustados, envolvendo-nos a alma com o ciúme, o despeito, a intemperança, ocasionando-nos desequilíbrios emotivos.

Sempre que praticarmos uma ação examinemos o móvel que a determinou. — "Se resultou do desejo injusto de supremacia, se obedeceu somente à disputa desnecessária (se por contenda ou vanglória), cuida do teu coração para que o caminho te seja menos ingrato. Mas se atendeste ao dever, ainda que hajas sido interpretado como rigorista e exigente, incompreensivo e infiel, recebe as observações indébitas e passa adiante".

O agir movido pela humildade não busca recompensas, nem reconhecimento, a não ser a satisfação do dever cumprido: "Magnificente, o Sol, cada dia, oscula a face do pântano sem clamar contra o insulto da lama: a flor, sem alarde, incensa a glória do céu. Filtrada na aspereza da rocha, a água se revela mais pura e, em seguida às grandes calamidades, a colcha de erva cobre o campo, a fim de que o homem recomece a lida."

"Humildade é independência, liberdade interior que nasce das profundezas do espírito. Cultivá-la é avançar para a frente sem prender-se, é projetar o melhor de si mesmo sobre os caminhos do mundo..." A despeito de tudo — "Continua trabalhando em teu ministério, recordando que, por servir aos outros, com humildade, sem contendas e vanglorias, Jesus foi tido por imprudente e rebelde, traidor da lei e inimigo do povo, recebendo com a cruz a coroa gloriosa."

Na humildade não cabem a tibiez, a frouxidão, a transigência, o transfúgio, a apatia, a renunciação. Humildade é fortaleza, firmeza de propósitos, intrepidez na produção do bem. Ê o destemer daqueles que, ao afrontarem a morte nos circos do sacrifício, entoam hosanas ao Senhor. É a heroicidade de Joana D'Arc, que se imola na fogueira fiel às suas vozes, esquecida de seus algozes. É o desprezo pela contaminação, de São Francisco, quando frente à necessidade de oferecer gesto de consolação fraterna ao leproso. É o nascimento de Jesus na manjedoura, na exemplificação do total devotamento à sua missão. É o término de seus dias na cruz, no derradeiro e maior testemunho de valor, fortaleza e determinação, no ensino do amor que viera ministrar, perdoando a seus inimigos.

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